Felipe Araújo: “O caldo de delinquência de Leo Lins e os defensores da ‘liberdade de expressão'”

Felipe Araújo - Jornalista e advogado, sócio da Wlodarczyk Araújo Advocacia Cível e Trabalhista - Wlodarczyk e Araújo Advocacia Cível e Trabalhista | LinkedIn
Por Felipe Araújo, jornalista e advogado (foto ao lado):
Falas ofensivas, preconceituosas e discriminatórias contra negros, obesos, idosos, pessoas com HIV, indígenas, homossexuais, judeus, nordestinos, evangélicos e pessoas com deficiência. Um caldo de delinquência que ia do racismo à exaltação da pedofilia. Mas eis que a prisão do “humorista” acendeu o pavio das redes sociais e, de pronto, incontáveis defensores da “liberdade de expressão” saíram em seu socorro denunciando o que seria uma arbitrariedade do nosso sistema de justiça.
Ainda que o encarceramento não resolva nossos graves problemas estruturais como sociedade, a decisão da magistrada que condenou o tal “humorista” à prisão é exemplar. Por vários motivos. E aqui vou me deter a um que diz respeito à própria natureza do conceito de “humor” enquanto uma prática artistica que mobiliza milhões de pessoas em shows de stand up em todo o Brasil.
Todo o sentido do que é “engraçado” está profundamente ligado àquilo que, em determinada sociedade, é considerado “normal” – ou “anormal”. E a audiência do humor estabelece um pacto, partilha desse mesmo horizonte de trivialidade. Ou seja, só é possível rir daquilo que é diferente em relação a um padrão dominante ou majoritário. Não se ri daquilo que é corriqueiro, habitual. Não se ri de um homem andando, mas do homem que cai – ou daquele que tem um andar descoordenado, disfuncional. 
Nesse sentido, o humor está muito ligado a uma moralidade que é definida pelos padrões de “normalidade” corrente. A pessoa ou o grupo social que não corresponde a essa moralidade, que não age de um modo específico ou “adequado”, é tida como anormal, louca, problemática. Mas, acima (ou abaixo) de tudo, engraçada. Esse é o fundamento do humor e é a base do humor praticado pelos “comediantes” como Léo Lins – majoritariamente brancos, hetero, com desenvolvimento típico, classe média, sudestinos.
Falando contra os dissonantes em relação ao seu próprio padrão existencial, o tal “humorista” não exerce seu legítimo direito de expressão. Mas reafirma um ativismo colonial e excludente em nossa sociedade que não se encerrará inofensivamente após seu “show”. Ele vai irradiar esse moralismo normativista para além do palco ou das redes sociais. Com isso, vai estimular a violência física ou simbólica contra aqueles que não se perfilam nessa “normalidade”. 
É na articulação de estruturas subjetivas que vão definir esse “normal” – conceito modulado pela moral e não pela ética – que podem se desenvolver os mais desumanos mecanismos de opressão, apagamento e exclusão. Léo Lins é um artista pífio. E o ostracismo poderia lhe bastar. Mas suas piadas, um triunfal elogio ao ódio, à violência e ao crime, partilhado por uma audiência difusa, são sim práticas criminosas que devem ser punidas no rigor da lei. Porque servem de senha para a morte (simbólica ou real) de milhões de pessoas localizadas à margem existencial de um padrão fascista e doentio.

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