Texto de Roberto Maciel, editor do InvestNE:
É ingênua, tola e ensaboada a “conclusão” de que políticos progressistas e jornalistas estão espantados com o crescimento em São Paulo da candidatura a prefeito de Pablo Marçal (PRTB). O personagem é um misto de vendedor de cursos, orientador de pretensos empreendedores e de líder de fanáticos pentecostais. Mas há quem se esmere, em textos confusos, a espalhar isso.
Essa parece a típica dor-de-cotovelo tucana e de respectivos puxa-sacos, que chegou ao ápice ao espalhar que foi o PT o responsável pela ascensão do bolsonarismo e do fascismo caboclo que quase trucidam a Democracia em 8 de janeiro de 2023.
O acadêmico da ABL e colunista de política do jornal “O Globo”, Merval Pereira, assina esse atestado de alheamento ao escrever que “Se ainda há espaço para um tipo como Marçal arvorar-se de salvador da pátria, algo está errado na nossa política partidária ou, mais profundamente, na nossa sociedade. A longo prazo, a solução é a educação cívica da sociedade, mas, de imediato, os partidos poderiam trabalhar as candidaturas com mais cuidado. Superado o impasse atual, com uma vitória ainda improvável de Marçal, mais facilmente com sua derrota, teremos de tratar das causas desse sintoma que coloca em risco a democracia. A busca de votos a qualquer preço fez com que os partidos políticos fossem atrás dos que eram populares, como cantores, atores, locutores”.
De travessa, Merval vai construindo a tese de que a Democracia “ideal” deve ser restritiva, elitista e excludente. Faz parte, é sempre assim – algo que se tenta impor desde quando Lula começou a despontar no noticiário como líder operário.
Mais um que subscreve o mesmo retrato boquiaberto é Fabiano Lana, articulista do Estadão: “Se Pablo irá vencer as eleições ainda é um chute – bem ou mal embasado. Temos, de qualquer maneira, um fenômeno novo que ainda não sabemos como pode ser neutralizado do ponto de vista político ou da comunicação”. E emenda: “A versão atualizada de Jair Bolsonaro, entretanto, pode ser apenas uma evolução natural da espécie. Se não for o Pablo haverá outro, porque tem base popular e representa valores e comportamento comuns a uma gigantesca parcela da população brasileira”.
Na contramão, o jornalista Igor Fellipe Santos, com atuação nos movimentos sociais, escreve em texto no site Opera Mundi uma análise mais inteligente: “O fenômeno Marçal é assustador, mas não surpreende. Figuras do mesmo tipo têm ganhado projeção, disputado eleições e chegado a governos em todo o mundo. Tão importante quanto analisar a ascensão eleitoral do coach é levantar os antecedentes da emergência da extrema direita por todo o mundo”.
Sim, Marçal não surgiu do nada. Ele deriva de um progressivo desvirtuamento de conceitos políticos e éticos, do “afuleiramento” da inteligência.
Eis a diferença: um tenta colocar a culpa “na nossa política partidária ou, mais profundamente, na nossa sociedade”. Outro diz que o “fenômeno Marçal é assustador, mas não surpreende”. Enquanto Merval receita “mais cuidado” aos partidos na indicação de nomes, Igor Fellipe aponta um processo lento que se desenrola há anos, com causas e, agora, consequências visíveis. Não há ninguém espantado na esquerda ou na Imprensa, a não ser quem não soube apurar o que criou e nutriu Bolsonaro, por exemplo.
Igor vai mais à frente: “Os governos de esquerda vencedores das eleições sucumbiram programaticamente, admitiram o papel de gestão da crise ou não tiveram força política e social para fazer as mudanças e construir um novo modelo, ficando dentro das margens do neoliberalismo. Ao abdicar do conflito de classes, a esquerda passou a ser considerada como parte do ‘sistema’ de poder”.
Não é estendendo o dedo-duro para um lado ou outro que se avaliará corretamente o que representam movimentos como os que impulsionam aventureiros de maior calibre, como Bolsonaro, Erdogan e Trump, e coadjuvantes de menor expressão e mais profunda mediocridade, como Pablo Marçal, Caveira, André Fernandes e Nikolas Ferreira.
Ao contrário disso, é conveniente que se estudem os fluxos da política e as raízes da exposição de gente assim.
E encerra Igor Fellipe Santos: “A derrota da extrema direita passa, necessariamente, pelo combate aberto ao neoliberalismo, por uma política de mudanças efetivas dos governos de esquerda para atender as demandas das maiorias, pela construção de uma nova democracia com o resgate do princípio da soberania popular e pela disputa frontal de ideias, valores e projetos de sociedade”.