O colunista Jamil Chade, especializado em política internacional, publicou hoje no portal UOL texto que expõe um dos mais intrigantes aspectos da vitória de Donald Trump na eleição para a Presidência dos Estados Unidos: a presença do empresário sul-africano Elon Musk no entorno do republicano.
A posição de Musk próxima a Trump, comparada a interesses e negócios que tem em diferentes países, inclusive o Brasil, merece atenção especial.
Confira o artigo de Jamil Chade:
Na última sexta-feira, a conversa de 25 minutos entre o presidente eleito Donald Trump e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi marcada por uma surpresa: a presença de Elon Musk. Em determinado momento da reunião, Trump chegou a passar o telefone para o bilionário, que recebeu do ucraniano um agradecimento por fornecer seus satélites para o esforço militar de Kiev. Na conversa, Musk prometeu que vai continuar a fornecer serviços de internet ao país.
O jornalista continua: “A presença de um bilionário numa conversa entre dois líderes causou um choque na diplomacia mundial. Mas não deveria. A realidade é que, diante da vitória de Trump, Musk chegou ao poder”.
E isso ficou claro já no primeiro discurso de Trump, ainda na madrugada de terça-feira para quarta-feira. Naquele momento, ele escolheu citar especificamente Musk. “Ele é um gênio e precisamos proteger nossos gênios”, disse.
Prossegue Jamil Chade: Trump já chegou a sugerir que Musk poderia ter um cargo no futuro governo ou que seria apenas um conselheiro. Independente da posição que assumir, a realidade é que ele terá poder.
De fato, mesmo sob o governo de Joe Biden, as empresas do bilionário vêm contando com amplos subsídios público. A SpaceX, por exemplo, vem trabalhando para criar uma rede de inteligência para o estado americano. A própria Tesla recebe isenções fiscais e apoio para garantir sua competitividade diante da concorrência chinesa.
Musk, ainda assim, cobrará por sua participação decisiva na eleição e já sinaliza que terá pleno acesso ao Salão Oval. Oficialmente, ele fez doações de US$ 132 milhões aos republicanos. Ele ainda prometeu US$ 1 milhão de forma aleatória a quem se registrasse para votar e que assinasse uma petição apoiando o direito a ter acesso às armas e, claro, à liberdade de expressão.
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O ex-Twitter, rede de micropostagens comprada por Elon Musk e rebatizada como X, teria tido papel importante no cardápio de vantagens oferecido por Musk a Donald Trump.
Mas um trabalho “voluntário” não foi contabilizado: o uso da plataforma X como megafone das mentiras de Trump e de sua campanha, um cenário impossível de se imaginar em 2021.
Naquele momento, a cúpula da então Twitter atravessou dias intensos. Nos dias seguintes ao ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, 300 funcionários da empresa assinaram e enviaram uma carta à direção da empresa furiosos com o comportamento da plataforma, de permitir que fossem usados para a difusão de uma proposta de golpe de estado. Apesar de nosso esforços para servir ao debate público, como um megafone de Trump, nós ajudamos a alimentar os eventos mortais de 6 de janeiro”, apontaram os técnicos.
A carta foi entregue para os executivos no dia 8 de janeiro. “Precisamos aprender de nossos erros para evitar futuros danos”, insistiram. “Temos um papel sem precedentes na sociedade civil e o mundo nos observa”, alertaram. “Nossas decisões nesta semana vão cimentar nosso lugar na história, para o bem ou não”, completaram.
Os funcionários pediam a suspensão completa de Trump das redes. Alguns deles ainda organizaram uma iniciativa para entrar em greve caso a direção da plataforma se recusasse a banir o então presidente.
Num primeiro momento, o republicano foi suspenso pior 12 horas das redes. Mas, ao retornar, chamou os invasores de “grandes patriotas”. Naquele momento, a empresa entendeu que a mensagem era um incentivo para novos atos de violência, potencialmente no dia da posse de Joe Biden, em 20 de janeiro. Naquela tarde, os executivos decidiram que Trump teria de ser expulso do Twitter.
O que ninguém ali imaginaria é que, poucos meses depois, a empresa seria comprada por Musk por US$ 44 bilhões. O bilionário vinha de um acúmulo de frustrações com os democratas. Ao mesmo tempo, o monitoramento das agências reguladoras aumentou em relação aos negócios de Musk, com pelo menos sete órgãos de controle abrindo processos, assim como a procuradoria de Nova York.
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Uma série de investigações sobre negócios de Musk nos EUA é alinhada no artigo:
Uma das investigações se refere aos acidentes gerados pelo sistema de piloto automático que a Tesla tenta desenvolver. Durante os testes, foram 467 acidentes, com 13 mortes e dezenas de feridos entre 2018 e 2023.
Já a Securities and Exchange Commission (SEC) abriu processos contra a Tesla por postagens nas redes sociais e por denúncias sobre a falta de transparência em relação a acionistas. A mesma SEC ainda investiga Musk por outras suspeitas no mercado financeiro, enquanto a Federal Trade Commission (FTC) examina propagandas enganosas por parte das empresas do bilionário.
Já o Departamento de Justiça acusa a SpaceX de discriminar refugiados em suas contratações, enquanto a Federal Aviation Administration tem criado obstáculos para aprovar novos lançamentos diante do impacto ambiental. A lista de frustrações de Musk ainda é completada com o veto de subsídios de US$ 900 milhões para a Starlink em um projeto de conexão para as zonas rurais dos EUA.
Houve ainda um episódio pessoal que, segundo a imprensa americana, teria levado o empresário a se aproximar ao movimento ultraconservador. Em 2022, sua filha declarou ser transgênero e abandonou o sobrenome Musk.
Assim, quando Musk compra a plataforma Twitter, a promessa de que aquela seria uma rede “politicamente neutra” logo ganha outros contornos e se transforma num espaço de ataques e um local protegido para a extrema direita. Um dos primeiros atos foi demitir todos os funcionários responsáveis por monitorar a desinformação e restaurou mais de 62 mil contas, entre elas de grupos neonazistas, de pessoas envolvidas no 6 de janeiro e, claro, de Trump.
Em silêncio, o bilionário ainda retirou as proteções contra assédios contra pessoas transgênero e abriu espaço para a difusão do ódio da frustração de uma ala mais radical, principalmente de homens brancos.
O início da campanha de Trump ainda marcou uma aliança de interesses. Nas semanas que anteciparam à eleição, as mentiras postadas por Musk contra os democratas tiveram uma audiência acumulada de 2 bilhões de visualizações.
Sistemas de monitoramento também revelaram que a difusão de postagens da Casa Branca na plataforma de X caiu pela metade, enquanto publicações de republicanos viralizaram cinco vezes mais que posts de candidatos democratas.
Musk ainda criou um canal para permitir que supostas denúncias de fraude no voto pudessem ser realizadas e insinuou que essa seria a “última eleição” nos EUA.
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E os resultados da aproximação? Jamil Chade aponta do que atendeu às demandas de Trump, mas ainda deixa em aberto uma resposta sobre a parte de Musk:
A aliança entre Trump e Musk trouxe resultados ao candidato. Uma pesquisa realizada pela Universidade Harvard indicou que o republicano ganhou o apoio de 35% dos homens entre 18 e 24 anos. Em 2020, essa taxa era de apenas 5%.
O que as agências regulatórias querem saber é qual será o ganho para Musk, independente se irá ter ou não um cargo no governo Trump. O bilionário, porém, já deixou claro sua perspectiva: “o futuro será fantástico”, escreveu em sua primeira postagem após a vitória de seu aliado.