Embora longe de ser surpreendente, o conteúdo repulsivo das mensagens de áudio trocadas entre os integrantes da quadrilha bolsonarista que pretendia solapar a democracia escancara a violência e o modus operandi da extrema direita. O plano macabro para assassinar o presidente Lula, o vice- Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), era normalmente discutido por extremistas do entorno de Jair Bolsonaro.
Segundo as provas colhidas pela Polícia Federal (PF), Mario Fernandes, general da reserva do Exército e ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR) do governo Bolsonaro, era o articulador central da conspiração golpista. Ele e outros quatro militares foram presos na última terça-feira (19).
Envolvimento direto de Bolsonaro
Conforme as investigações, o plano golpista, batizado como ‘Punhal Verde e Amarelo’, foi impresso na Secretaria-Geral da Presidência, onde despachava o general. Além disso, consta que o plano foi levado por ele a Bolsonaro, no Palácio da Alvorada.
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Os investigadores também localizaram uma troca de mensagens entre Fernandes e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Na conversa, o general afirma que Bolsonaro concordou com o plano e disse que o golpe deveria ser consumado até 31 de dezembro de 2022.
“Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do v***, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo”, disse Fernandes a Cid. “Mas, p***, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”, acrescentou o general.
Incitação a civis
A PF sustenta que Fernandes interagia com civis, incluindo parlamentares bolsonaristas, mas que “os principais diálogos em torno de temas antidemocráticos e/ou relacionados a ideários golpistas” eram feitos com militares.
“Qualquer solução, caveira, tu sabe que ela não vai acontecer sem quebrar ovos, sem quebrar cristais”. Esse é o tom com que o general se comunicava com os radicais sob sua coordenação. Nos áudios, o general da reserva não esconde o dissabor com a vitória de Lula e com as instituições democráticas.
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“Tá na cara que houve fraude. Tá na cara. Não dá mais pra gente aguardar essa p….”, vocifera Fernandes, entoando a narrativa golpista de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, a partir da famigerada reunião com embaixadores no Palácio do Planalto, ainda em fevereiro de 2022.
Moraes deve enviar, nesta terça-feira (26), o relatório do inquérito do golpe à Procuradoria-Geral da República (PGR). Na última quinta (21), a PF indiciou o ex-presidente e outros 36 aliados por três crimes: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.
Cronologia da intentona fascista
Os investigadores já dispõem da linha cronológica dos atentados que culminaram na depredação da sede da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, incluindo a bomba no Aeroporto Internacional de Brasília e os ataques às dependências da PF na capital federal, ambos após o segundo turno das eleições presidenciais de 2022.
As investigações revelaram que Fernandes mantinha contato frequente com os manifestantes bolsonaristas acampados em frente aos quarteis do Exército e que os acampamentos faziam parte do plano conspiratório para destruir a democracia. Em umas das mensagens de áudio que circulam em grupos extremistas, o general da reserva chega a fazer alusão ao Golpe de 1964 e à Ditadura Militar.
“Talvez seja isso que o alto comando, que a defesa quer: o clamor popular, como foi em 64. Nem que seja pra inflamar a massa, para que ela se mantenha nas ruas”, ilude-se.
Sobre a diplomação da chapa Lula/Alckmin, consumada em 12 de dezembro de 2022, mesmo dia das explosões na sede da PF em Brasília, Fernandes contou a interlocutores ter sondado Bolsonaro se a quadrilha golpista poderia agir naquela data. Nos áudios, ele se refere ao petista como “vagabundo”, termo chulo bastante comum entre reacionários para se referir aos progressistas.
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No dia da diplomação de Lula, bolsonaristas vestidos de verde e amarelo também incendiaram carros e ônibus no Eixo Monumental, principal via pública da capital.
“Eu tô pedindo a Deus pra que o presidente tome uma ação enérgica e vamos, sim, pro vale tudo. E eu tô pronto pra morrer por isso”, prega o ex-número 2 da SGPR, em mensagem enviada, à época, a uma pessoa identificada como Hélio Coelho.
Quadrilha homicida
Oficiais militares endossaram o discurso antidemocrático de Fernandes nas conversas obtidas pela PF. Um deles descreve como funciona a ética bolsonarista e fala em reunir “a rataria”, para “debater o que vai ser feito”. “O presidente tem que fazer uma reunião com o petit comité. Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião”, sugere o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, em mensagem ao general Fernandes.
Outro coronel, Roberto Criscuoli, ex-subcomandante do Batalhão de Forças Especiais, um ex-“kid preto”, antevê uma guerra civil no Brasil. “Vai esperar virar uma Venezuela pra virar o jogo, cara? Democrata é o cacete”, dispara. “Fala com o 01 aí, cara. É agora. Hoje eu tô dentro, amanhã eu não tô mais, não.”
O plano para assassinar autoridades da República teve suporte de um policial federal. Wladimir Matos Soares, que fazia a segurança do hotel em que a equipe de transição do governo Lula atuava, em Brasília, era encarregado de repassar informações privilegiadas à quadrilha golpista de Bolsonaro. Wladimir também foi preso pela PF.
“O Lula estaria ali no prédio do Meliá. Essa p…. tem que virar logo. Não dá pra continuar desse jeito, não, irmão. Vamos nessa. Eu tô pronto”, comunicou o agente da PF.