Artigo do desembargador aposentado Vladimir Passos de Freitas (foto ao lado), publicado orginalmente no site Consultor Jurídico:
Os bens relacionados com o patrimônio histórico e cultural brasileiro continuam a sofrer perdas contínuas. Nesta semana, “Uma pessoa morreu e cinco ficaram feridas após parte do teto da Igreja e Convento de São Francisco de Assis, conhecida como ‘igreja de ouro’, desabar na tarde desta quarta-feira (5), no Centro Histórico de Salvador” [1]. Trata-se de igreja tombada pelo Iphan, órgão encarregado da proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, sendo a gestão da Ordem Primeira de São Francisco [2].
Causas do abandono
Participação da sociedade civil
Uma pessoa interessada pode — e deve — participar de várias formas. A mais comum, aos que podem dispor, é contribuir com valores em dinheiro. Mas não é a única e nem a mais importante. A participação efetiva é a que mais importa. E isso pode dar-se atuando na direção de uma sociedade civil de proteção de determinado bem, na prestação de serviços voluntários e, no mínimo, prestigiar eventos.
O prestador de serviços voluntários é uma figura essencial. A Federação de Amigos de Museu do Brasil (Feambra) possui um guia para ensinar quem deseja ajudar nos museus brasileiros. A diretora da Feambra, Camila Leoni, explica: “Eles podem ajudar no atendimento ao público, na parte de pesquisas, publicações. São inúmeros os papeis de uma associação de amigos, vai muito da necessidade específica de cada museu” [4].
Exemplo: dia 12 de janeiro visitei o ótimo Museu Republicano de Itu (SP). Uma atenciosa estudante de Pedagogia, prestando serviço voluntário, acompanhou-me dando-me preciosas informações e assim tornando a visita muito mais agradável e produtiva. Nota dez.
Finalmente, as visitas. Quem não tem disponibilidade financeira para doar e nem tempo para ser voluntário, pode fazer o mínimo, ou seja, prestigiar participando. Nada desanimará mais um interessado do que ver sua iniciativa desprestigiada pela sociedade. Visitar exposições, museus, eventos musicais, deve ser um item na agenda de todos, dividindo o tempo ocupado pelos programas da TV, na maioria das vezes com depressivas notícias de criminalidade ou disputas de baixo nível.
Participação do poder público
A atividade cultural, a proteção dos bens tombados e atividades afins são, com frequência, objetos de legislação e de políticas públicas por parte de órgãos públicos. A colaboração financeira dada pelo Estado é importante, essencial mesmo, para que seja possível o sustento de entidades destinadas à preservação das diversas formas de cultura do Brasil.
Evidentemente, verbas passam por exigências administrativas rigorosas, por vezes excessivamente burocráticas, em razão do receio de que possam tornar-se fraudulentas.
Mas o Estado não age apenas através de financiamentos. Em Pernambuco, o governo estadual apresenta o programa Seja Monitor Voluntário [7]. No Paraná, a Fundação Cultural de Curitiba promove, através de artistas voluntários, “momentos de fruição artística e descontração para aqueles que estão afastados temporariamente do convívio social seja por motivo de saúde, abandono ou por imposição da justiça” [8].
Legislação
A proteção da cultura está expressa no artigo 215 da Constituição ao dispor que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” [9]. O antigo Decreto-Lei 25 de 1937, até hoje em vigor, trata da proteção do patrimônio histórico e artístico nacional [10].
A Lei 9.605, de 1998, Lei dos Crimes Ambientais, prevê diversas crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural (artigos 62 a 65). É de grande importância, muito embora suas penas sejam baixas [13].
O descumprimento aos textos citados e aos que os complementam pode ser objeto de provocação do Poder Judiciário através de ação civil pública, conforme a Lei 7.347, de 1985. Nelas as associações, mais conhecidas como ONGs por influência norte-americana, podem ser autoras (artigo 5, inciso V).
Conclusão
Como se vê, leis existem, o que nos falta mesmo é uma maior e mais efetiva participação da sociedade civil, em múltiplas formas, na proteção dos nossos bem históricos e culturais. Mãos à obra, sejamos mais atores do que espectadores.
[1] UOL. Beatriz Gomes. Teto da ‘igreja de ouro’ desaba em Salvador e mata turista de SP; vídeo… Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/02/05/igreja-do-ouro-salvador-ocorrencia-janeiro-2025.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 08 fev. 2024.
[3] CNN. Thais Magalhães, 05/12/2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil-estaciona-em-ranking-de-avaliacao-internacional-de-educacao-basica/#goog_rewarded. Acesso em: 08 fev. 2024.
[4] FEBRAE. Disponível em: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/05/guia-ensina-trabalhar-como-voluntario-em-museus-de-sp.html. Acesso em: 08 fev. 2024.
[5] MUF. Ações Educativas. Disponível em: https://muf.tantata.com/educacao/. Acesso em: 08 fev. 2024.
[6] Masp voluntários. Disponível em: https://masp.org.br/sobre/voluntarios. Acesso em: 08 fev. 2024.
[7] Espaço Ciência. Seja Monitor Voluntário. Disponível em: http://ec.pe.gov.br/?page_id=13827. Acesso em: 08 fev. 2024.
[8] Fundação Cultural de Curitiba. Disponível em: http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/rede-sol/apresentacao/. Acesso em: 08 fev. 2024.
[9] Constituição da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
[10] Decreto-Lei 25, de 1937. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm. Acesso em: 08 fev. 2024.
[11] Decreto nº 8.124, de 17 out. 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d8124.htm. Acesso em: 08 fev. 2024.
[13] Lei 9.605, de 12 de fev. 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 08 fev. 2024.
[14] O Estado de São Paulo, 20 jan. 2025, Operação Falso Grito, p. A10.
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Vladimir Passos de Freitas é presidente da ALJP (Academia de Letras Jurídicas do Paraná); professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador federal aposentado, ex-presidente do TRF-4. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e do Ibrajus ( Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).