Do publicitário e escritor Ricardo Alcântara:
Lendo, por hábito cotidiano, artigos de cientistas políticos e observadores da comunidade europeia me deparei com um quadro que guarda certa proporção com o que se passa no Brasil durante o governo Lula.
O que se dá? A ameaça crescente de uma nova corrente de extrema direita, verificada em todos os quadrantes daquele continente (e não somente lá) tem forçado a formação de amplas alianças partidárias sob o eixo comum da afirmação democrática.
A amplitude desses pactos, que unem adversários tradicionais, como liberais moderados e a nova esquerda ambientalista, são construídos como movimentos de resistência em defesa da civilidade e assim se apresentam.
A articulação tem despertado novamente a verve idealista de segmentos sociais aos quais a tradição gauche antes conferia status liderante e, quando bem sucedida, garantiu maioria parlamentar para a montagem de gabinetes de governo.
Contudo, da heterogeneidade dessas alianças democráticas resulta fatores de desgaste e desapontamento público. A diversidade conceitual dificulta a construção interna de pactos pontuais em questões de interesse fundamental da sociedade.
Igualmente, não permite a definição de um perfil mais nítido à percepção pública – um desafio de comunicação que se reflete nos indicadores de popularidade e impacta a coesão do bloco.
Ao fim, da sucessão interminável de impasses não resulta, como antes fora pretendido, o esvaziamento das pulsões primitivas do extremismo e, em alguns casos, ao contrário, as tem estimulado.
São governos sem face que, não sendo uma coisa nem outra, desagrada a todos. A maioria que os apoia não os apoia de fato: apenas rejeitam a alternativa extremista. São recursos emergenciais de defesa, e não projetos construtivos com os quais seja permitido sonhar um pouco mais.
Se, ao ler este artigo até aqui, você pensou algumas vezes no que se passa no Brasil agora, você entendeu o texto perfeitamente porque o fenômeno se desdobra com aspectos diferenciados nas diversas partes, mas é tendência global. Oremos.