Hoje, Dia dos Pais e dos Filhos, o qual me recuso a celebrar pela metade, reproduzo abaixo texto que publiquei aqui no ano passado.
É quase uma crônica, acho – mas deixemos isso pra lá. Não era minha pretensão. O que eu queria mesmo, sem ousar me enveredar por gêneros e estilos, era saudar o pai que tenho. Ele não está mais fisicamente comigo, mas excluo das memórias a conjugação do verbo no pretérito perfeito. E ele me deixou tanta coisa bacana, tantos ensinamentos democráticos, tantas orientações éticas e tanta gentileza que vou aos poucos tentando aplicar essa herança e, no que posso, buscar transmiti-la aos meus filhos para que a compartilhem com os filhos que terão e assim a vida vá sendo tocada.
A essas horas, estaríamos nos falando por telefone e combinando o almoço. E eu falando do cardápio – ele adorava um pargo inteiro que havia num restaurante pequeno e simpático do bairro da Varjota. E, à mesa, trocando histórias e conversas fiadas, ele querendo me provocar confrontando minhas ideias e rindo quando via que eu me aperreava. E depois a sonolência. E depois a separação no fim da tarde do domingo. Eram assim nossos dias de pais e de filhos.
Um beijo, meu pai, bença! Saudade muita, viu?
*** ***
Meu pai, um camarada pacífico, transparente e sedutor
A gente andava de mãos dadas pelo Centro da Cidade aos sábados e eu me espantava com a quantidade de pessoas com quem ele falava. Era gente demais, creiam. Palavras sempre seguidas de sorrisos, às vezes de cumprimentos que dependiam da proximidade física do momento. Lembro bem que o estimado e persistente Ferroviário Atlético Clube costumava estar nas conversas rápidas e alegres. A Secretaria da Fazenda, na qual trabalhou por 40 anos, também.
Ia ali meu pai, Fernando, com passos seguros e certeiros, como que se equilibrando sobre as linhas finas entre os ladrilhos do piso. E eu seguia tentando copiá-lo.
Ele me levando.
Passávamos na calçada do São Luiz, atravessávamos a Major Facundo, seguíamos pelas bancas de revistas nas pequenas partes sombreadas da Praça do Ferreira, até alcançarmos o lado sul, onde há ainda hoje uma incomparável, saborosa e leonina fartura de pastéis e caldo de cana, íamos depois ao lado norte, conversar com o Bidon, o Pinheiro e o Eduardo, amigos de longas datas e colegas na Faculdade de Direito.
Meu pai tinha um jeito curioso de rir. Não era de gargalhadas, mas ria honestamente e sem reservas, sacudindo os ombros e olhando bem para quem dizia ou fazia uma graça. Era um camarada (palavra que ele dizia sempre!) transparente, pacífico e sedutor, nas melhores e menos vulgares acepções que essas expressões possam ter – é isso parte do que o tornava tão especial, estou certo.
Hoje, já há quatro anos sem tê-lo para me conduzir, sigo nunca esquecendo dele, lembrando à toa de detalhes, do que gostava de fazer, de falar, de ver e de ouvir.
Saudades, pai. Ainda tento – com muito amor e admiração – imitá-lo a cada passo.