Do site The Intercept, com texto do jornalista Thalys Alcântara (foto):
Nove anos. Esse é o tempo que o Intercept Brasil tem de estrada. E fazemos aniversário no contexto da maior crise entre Brasil e Estados Unidos dos últimos séculos.
E é exatamente em meio a essa nova linha de frente da articulação internacional da extrema direita que continuamos fazendo o que fazemos de melhor: investigar histórias que provocam impacto e responsabilizam poderosos.
Cheguei ao Intercept há cinco meses e, desde então, venho trabalhando incansavelmente ao lado de outros repórteres e editores para descobrir o que os poderosos tentam esconder. Parece papo de LinkedIn, mas é bem mais que isso: o nosso jornalismo tem foco no impacto porque queremos, de fato, transformar a sociedade.
Roteiro de filme
Foi com essa mentalidade que tropecei numa história que, no começo, até parecia roteiro de filme B: um casal de agentes da inteligência da Polícia Federal, ligado ao bolsonarismo, simplesmente abriu mão do salário e se mudou para a mesma cidade que Eduardo Bolsonaro, nos Estados Unidos.
Todo mundo sabe que Eduardo trabalha dia e noite contra o Brasil para livrar o pai da prisão. Agora, tem dois especialistas em inteligência brasileira – um deles seu ex-colega de turma na academia da Polícia Federal – morando na mesma cidade. A situação levanta uma questão: qual o risco de vazamento de informações sensíveis?
Nosso desafio diário: qual história contar?
Todo dia chegam denúncias de diferentes cantos do Brasil. Desvio de recursos públicos, assédio, grupos paramilitares, organizações criminosas — a lista não para de crescer. O maior desafio? Nosso time é pequeno (mas faz barulho, né?). Precisamos escolher em qual história apostar nosso tempo e energia.
É por isso que seu apoio é tão importante. A gente precisa de independência para investigar com liberdade — e ela só existe quando quem financia nosso trabalho é você e não uma empresa ou bilionários. Faltam menos 48h para o fim da nossa campanha de captação. Faça uma doação agora e nos ajude a seguir investigando histórias que ninguém mais tem coragem de contar.
Quando essa denúncia sobre agentes da inteligência ajudando Eduardo chegou até nós, confesso: soou como ficção. Mas começamos a cavar. Fontes foram ouvidas, documentos lidos, conexões mapeadas. E tudo começou a ficar interessante.
Os detalhes que ninguém vê
André Valdez, agente da Polícia Federal que está em Arlington, no Texas, conseguiu uma licença não remunerada em 16 de abril, menos de um mês após Eduardo dizer que iria “se exilar” no país norte-americano.
Valdez é especialista em escuta ambiental, que é a instalação de aparelhos para captar áudios de forma escondida. Ele era responsável, inclusive, por fazer varreduras em gabinetes de autoridades, como o do ministro Alexandre de Moraes, segundo fontes com quem conversei.
Confirmar esses detalhes demandou uma busca minuciosa, pois os dados nem sempre são públicos. Com a ajuda de fontes e técnicas de jornalismo investigativo, conseguimos documentos que eles não queriam que a gente revelasse, incluindo a função do agente Valdez dentro da Inteligência da PF.
Nem toda tentativa vira furo jornalístico. Para uma investigação como essa, seguimos diferentes caminhos e abrimos várias linhas de apuração. Nem todas levam a algum lugar relevante. Muitas vezes, gastamos muito tempo pesquisando histórias que não chegam a lugar algum.
Assisti a horas de cultos da igreja frequentados pela agente da PF Letícia Padilha em Arlington, na tentativa de conseguir alguma informação nova. Resultado? Nada muito relevante. Padilha foi para os Estados Unidos com o agente Valdez, com quem é casada, e também trabalhava na inteligência da PF.
Cheguei aos endereços que a agente Padilha frequenta por meio de publicações públicas nas redes sociais (que foram apagadas após a publicação da nossa reportagem, vale dizer) e verifiquei que eles estão localizados a poucos minutos de carro de locais ligados a Eduardo Bolsonaro e sua esposa, Heloísa. Também descobri uma informação bastante relevante: que o ex-chefe dela foi um dos indiciados no inquérito da Abin Paralela.
O “outro lado” que se esconde
Depois que terminamos a investigação, chega uma parte que parece simples, mas é igualmente desafiadora e, muitas vezes, frustrante: ir atrás do outro lado, entrar em contato com as pessoas investigadas e ouvir as explicações delas.
Nesse caso dos agentes da inteligência, tinha uma dificuldade extra: Valdez é muito discreto nas redes sociais. Eu precisava de um contato dele nos Estados Unidos e minhas fontes não tinham essa resposta. Mas eu precisava falar com ele. Após um dia inteiro de pesquisa, encontrei o contato telefônico dele escrito à mão em um procedimento administrativo que ele sofreu na PF em 2012, quando foi suspenso por 90 dias depois de xingar um delegado.
Ele me disse apenas que não compartilharia informações dele e da sua família. “Você está insinuando que eu estou envolvido de alguma forma nessa trama”, escreveu.
A apuração não acaba com a publicação
Uma coisa que aprendi desde que cheguei ao Intercept é que a publicação da reportagem não é o fim da linha. É só o começo. Precisamos continuar acompanhando a história e não deixar que ela seja esquecida. Não queremos que o texto traga apenas audiência e engajamento nas redes sociais: queremos que nossa investigação provoque transformações concretas.
Os agentes da PF seguem sem dar respostas satisfatórias aos nossos questionamentos detalhados. O deputado de extrema direita e amigo do casal, Ubiratan Sanderson, do PL, ignorou nossos contatos e segue em silêncio. Eduardo também.
Mas nós seguimos aqui, apurando a próxima denúncia. E te adianto: essa história já tem desdobramentos. Mas você pode imaginar que não é nada fácil cobrir esse assunto.