Texto da jornalista Laís Martins: (foto), do site The Intercept BR:
Enquanto nós sufocávamos em fumaça e secura nesta semana, a AWS, plataforma de serviços em nuvem da Amazon, fazia um anúncio entusiasmado: irá expandir sua infraestrutura de data centers no Brasil.
Com um investimento de R$ 10,1 bilhões, a empresa pretende criar novos data centers por aqui. A AWS já opera no Brasil no Rio de Janeiro, Fortaleza e São Paulo.
Para a nova empreitada, a empresa garantiu que irá alcançar emissões zero de carbono até 2040, além de investir em energia renovável, com parque eólico e solar.
O que a empresa não contou, no entanto, é que esse tipo de infraestrutura consome água. Muita água. Todos os nossos arquivos salvos na “nuvem” estão, na verdade, em servidores espalhados pelo mundo.
Essas estruturas são físicas: supercomputadores que precisam ser refrigerados para não sobreaquecerem – e esse processo requer uma quantidade monumental de água.
Um desses prédios, cheio de servidores, pode consumir quantidade de água suficiente para abastecer uma cidade de até 50 mil pessoas.
Foi por isso que em 2019, no Chile, ativistas locais se organizaram para barrar um data center do Google em Santiago. No início deste ano, o Tribunal Ambiental de Santiago suspendeu o projeto.
O Google já tinha um outro data center no Chile, aberto em 2015. Documentos oficiais mostraram que esse centro obteve autorização para extrair cerca de 1 bilhão de litros por ano. Tudo isso enquanto o Chile vive uma seca histórica que deve durar até 2040.
Mas no Brasil mesmo temos um exemplo de comunidade local fazendo frente às gigantes da tecnologia.
Em Limeira, no interior de São Paulo, vereadores conseguiram em julho deste ano barrar, pelo menos temporariamente, uma multinacional de instalar o que seria o maior data center da América Latina.
A multinacional em questão, cujo nome foi mantido em sigilo, era a Microsoft, que em agosto finalmente conseguiu aprovar uma mudança na legislação municipal para acomodar o data center.
O interesse pelo Brasil não é à toa: o país é visto pelas big techs como estratégico para esse tipo de infraestrutura porque nossa matriz energética é quase toda de energia renovável.
Além de água, os data centers consomem muita energia e, por isso, empresas buscam por países com boa disponibilidade de energia limpa e barata.
Nessa semana, o BNDES anunciou uma nova linha de crédito – R$2 bilhões para atrair investimentos em data centers no Brasil.
Para atrair mais projetos para a região Norte e Nordeste, o BNDES colocou uma taxa de juros mais baixa para a região do que para o Sul e Sudeste.
Um dos argumentos é que é importante investir na indústria nacional de data centers para reduzir nossa dependência de empresas estrangeiras, como a AWS, por exemplo. E faz sentido: é uma questão de soberania nacional.
O problema é que esses planos estão sendo colocados em prática sem levar em consideração o impacto ambiental de projetos do tipo. O projeto Brasil 2040, um grupo de relatórios encomendado em 2014 pela gestão de Dilma Rousseff, do PT, já previa tudo isso que estamos vivendo.
Uma das previsões de um dos relatórios foi um agravamento das secas nas regiões Norte-Nordeste. Justamente onde o BNDES quer instalar mais data centers.