Veja o que o Intercept fez com o plano da produtora de extrema-direita “Brasil Paralelo” de influenciar na educação de crianças

 

Texto da jornalista Tatiana Dias, do site The Intercept:

Pela primeira vez, a produtora de conteúdo de extrema direita Brasil Paralelo entrou na mira do Ministério Público Federal – e graças à reportagem do Intercept.

Há duas semanas, revelamos o ambicioso projeto Mecenas, em que assinantes financiam ‘bolsas’ para que os conteúdos da produtora, permeados por uma visão de mundo reacionária e anticiência, cheguem a escolas e ONGs.

É um verdadeiro projeto de poder educacional que tem o objetivo declarado de combater o “progressismo” – às margens da lei e do Ministério da Educação. Mostramos que já são mais de 285 escolas parceiras, e que o projeto é de longo prazo – e inclui também o fornecimento de material para homeschooling, que é ilegal no Brasil.

O plano de poder estava correndo solto, e nem a produtora, nem as escolas, se preocupavam em escondê-lo – pelo contrário, fizeram vídeos promocionais, penduraram faixas da Brasil Paralelo e recomendaram conteúdos da produtora aos pais de alunos. Mas isso pode mudar.

O deputado Guilherme Boulos, do Psol paulista, acionou o MPF para que seja aberta uma investigação contra a produtora. “A Brasil Paralelo reverbera discursos negacionistas da extrema direita mundial e se coloca ativamente na missão de propagar valores que caminham na contramão dos princípios constitucionais”, diz o pedido de Boulos.

“As reportagens do Intercept Brasil revelaram que a Brasil Paralelo criou um mecanismo de financiamento denominado Projeto Mecenas, que angaria financiadores para que os conteúdos e paradidáticos da produtora sejam distribuídos ao maior número de escolas possíveis, de forma gratuita, como espécies de ‘bolsas’ para que professores e alunos consumam seus conteúdos”, diz a representação.

Para embasar o pedido, o deputado listou não apenas um, mas três textos que publicamos no início de dezembro: a reportagem principal sobre o projeto Mecenas, um texto explicativo sobre a produtora e essa análise do professor Fernando Cássio (se você tiver estômago, ainda recomendo o vídeo que mostra como funciona o projeto, e também esse episódio da rádio Escafandro, produzido em parceria com o Intercept, que permite um mergulho ainda mais profundo no tema).

Para Boulos, os materiais da Brasil Paralelo estão circulando em instituições educacionais sem “nenhuma fiscalização e adequação desse material às normativas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e tampouco adequação à Base Nacional Comum Curricular”.

A representação informa que a própria Brasil Paralelo tem, em seu site, materiais de formação para escolas: “Cursos e Formações Exclusivas”, “Materiais Complementares das aulas” e “Trilhas de Aprendizado”.

Boulos, em seu pedido, ainda cita outros fatos trazidos pela reportagem sobre como conteúdos produzidos pela Brasil Paralelo deturpam fatos históricos e violam direitos constitucionais.

“O Intercept Brasil noticiou o episódio do documentário da produtora que deturpou o caso Maria da Penha sobre violência doméstica, em que houve condenação do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e que posteriormente resultou no julgamento e condenação do agressor pela justiça brasileira”, relata o pedido, “mas que foi transformado pela Brasil Paralelo em mera ‘disputa de versões’, com ilações sobre uma possível inocência do agressor e mera fantasia da vítima.”

Para Boulos, a iniciativa da Brasil Paralelo contraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que em seu artigo 70 afirma que o “ensino é livre à iniciativa privada” desde que sejam cumpridas as normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino, e que haja autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

“A liberdade de escolha dos métodos e conteúdos de ensino, uma prerrogativa profissional dos professores, no entanto, não se confunde com liberdade irrestrita para propagar falsificações históricas e negacionismo científico – os tais conteúdos ‘paralelos’ das bolhas ideológicas de extrema direita”, diz a representação.

Por causa da “extrema gravidade e da abrangência territorial dos fatos narrados”, Boulos pede que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do MPF instaure um inquérito civil e criminal “para as devidas apurações, responsabilizações e demais medidas cabíveis” contra a Brasil Paralelo.

A nossa parte nós fizemos. Agora está nas mãos deles – mas vamos continuar investigando a extrema direita, a Brasil Paralelo e seu projeto de poder que, até agora, ficava fora do radar das autoridades.

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