Pedro Gurjão: “Cultura – o canto que obra milagres”

Texto do escritor, jornalista e advogado P3dro Gurjão (foto ao lado). O autor é pós-graduado em Gestão Pública (Fundação João Pinheiro, BH-MG) e foi duas vezes vencedor do Prêmio Nacional Ser Humano (ABRH, SP). Foi colunista e debatedor no Programa de Debates (Jornal O Povo e Rádio AM do Povo):

No final do ano de 2024, o economista e escritor Osvaldo Araújo (coordenador do Segunda Opinião) publicou seu mais recente livro digital  “PRECISAMOS FALAR DO CEARÁ”, uma abordagem dos últimos 60 anos de história econômica e político-administrativa do Estado, perguntando em um de seus capítulos: “Para que Serve um Bilionário?”.

Tomando-lhe emprestada a curiosa e instigante indagação, o escritor Durval Aires Filho (membro da ACL – Academia Cearense de Letras) publicou no mesmo jornal (edição de 22.01.2025), uma bem-estruturada resenha crítica, focalizando os principais temas do livro e enfatizando os aspectos que lhe parecem mais relevantes.

Alimentando o debate,  Osvaldo novamente “marcou” meu nome, fazendo-me cócegas para espichar a corda – razão pela qual retorno ao assunto sobre o qual já me houvera manifestado.

Durval destaca tratar-se de uma “narrativa branda, sem viés partidário, orientadora, objetiva e fácil de ser lida”, reforçando a opinião de que, de fato, é necessário falar mais, de forma franca, clara e aberta, acerca do nosso povo e dos nossos destinos, em todos os espaços, até “nas mesas dos bares”. 

O texto do imortal Durval remeteu-me diretamente à música do Vinicius: 

“Hoje eu saio
na noite vazia
numa boemia 
sem razão de ser
na rotina dos bares
que apesar dos pesares
me trazem você”.

Pois bem, prezados escritores e leitores: pretender reproduzir no Ceará o modelão industrial paulista(no) é um equívoco grosseiro, de consequências maléficas irreparáveis. Já advertira outro papa tropical (na verdade equatorial) Caetano Veloso, em Sampa: é muito alto o preço…

“do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas,
da força da grana que ergue e destrói coisas belas,
da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas…
da dura poesia concreta de tuas esquinas,
da deselegância discreta de tuas meninas”…

Como as decisões políticas são tomadas e como são estabelecidas as prioridades, já se sabe. Os critérios geralmente não são presididos por  neutralidades lógicas – racionais ou nem tanto: mas por interesses político-eleitorais de perpetuação no poder, distraídos por discursos quase sempre desprovidos de sinceridade.

Em outras palavras: o principal motor da atuação pública é o propósito de dominação e nocaute dos adversários no ringue da hegemonia política. 

Ganhos e perdas, vitórias ou fracassos, quaisquer que sejam, são resultantes da própria condição humana, mercê de erros e acertos. Mas, ficou ressalvado: a questão (busca) não é essa. 

Para não se restringir ao cenário local, cabe dar exemplos de dimensão nacional. Aí estão a Transamazônica (“integração”), as Usinas Nucleares (“alternativa energética”, “segurança nacional”) e outras manifestações de estupidez ou ignorância, aplicáveis a qualquer localidade. Dinheiro no lixo.

E, reparem, para justificar esses feitos faraônicos gloriosos, sempre surge um palavreado novo. Quanto mais imediato for seu prazo de introjeção e disseminação, muito mais longo será o prazo para constatação de seus onerosos efeitos, principalmente quando mensurados à luz da relação custo-benefício.  

Diz-se que a fome não espera. Mas assim já se passaram 60 anos: três gerações de pobreza e miséria. Que infelizmente não desapareceram, como se esperava.

Para ilustrar essa contradição, Durval recorre ao mito de Sísifo, cuja vida moderna é simbolizada pelo trabalho repetitivo e sem propósitos, retomando sempre a incessante busca de sentido. Sofrimento cotidiano infernal, castigo eterno: a pedra diariamente carregada no lombo ao alto da montanha vai despencar outra vez, eternamente.

E acrescenta: “Ao contrário dessa redenção, o que se lê nos jornais é a informação de que a metade da população cearense apenas sobrevive graças a fundos federais de assistência social”. 

Paradoxalmente, o Ceará seria proporcionalmente o estado com maior número de bilionários (atualmente mais de 30 – em dólar ou em real, nessa escala de grandeza pouco importa), concentrando cada vez mais sua riqueza entre pouquíssimos.  

Quem manda? Quem é consultado(a) sobre as grandes decisões? A base da pirâmide não se movimenta. Nem adiantaria. Desenvolvimento é um conceito abstrato e manipulável.

“PARA QUE SERVE UM BILIONÁRIO?”.

Repeti essa pergunta numa roda. 

Uma jovem e compenetrada senhora respondeu de bate-pronto: 
– Primeiramente para servir a si mesmo.

Surfando nessa onda, segui provocando um(a) a um(a):
– Para andar de lancha em Mônaco…
– Para comprar um Rolls-Royce “La Rose Noire Droptail” (US$ 30 milhões ou R$ 170 milhões)…
– Para dividir com o melhor amigo uma botelha de “Domaine de la Romanée-Conti safra 1945” (US$ 558 mil ou R$ 2,7 milhões)…
– Para arrematar uma joia antiga num leilão da Sotheby’s NY…
– Para comprar o Nordeste e revende-lo ao Elon Musk, com título de cidadão ao Trump…
– Para ajudar a quem precisa com ações de solidariedade…

Voltemos ao plano local. Já fui a festas onde rolava o Royal Salute 25 anos, cuja ampola se compra aqui mesmo por cerca de R$2.700,00. Apenas uma garrafa daria pra pagar um cachet médio de R$ 600 reais a 3 instrumentistas e um cantor, animando e emocionando a noite. Mas, como Arte (linguagem) é uma das três bases materiais da Cultura, aí a choradeira é grande. 

Comparações entre parêntesis, fiquei impressionado com o ar de mofa (ou de desejo enrustido) e com tanta familiaridade da classe média com tais, digamos… superfluidades.   

E como a questão não é essa, vou tentar a ela responder com uma resposta que também não o é. 

Proponho algo impertinente: vamos reler o antropólogo, sociólogo, “comunista”, exilado Darcy Ribeiro (foto abaixo)? O Processo Civilizatório. O Povo Brasileiro. Teoria do Brasil. O Brasil Como Problema. Educação Como Prioridade. Noções de Coisas. Sobre o Óbvio.

Para quem não tem hábito ou paciência com livros, pode-se esperar pela provável resenha ou pré-leitura do próprio Osvaldo e da Mônica Moreira da Rocha, ambos dotados de notável poder de síntese e grande expertise nesse exercício literário.

PARA QUE SERVE O ESTADO?

Para distribuir efetivamente a renda, na prática. Ou seja: tirar um pouco de quem tem demais para dar um pouco a quem tem de menos (ou nada tem).
E para nada mais.

CANTO DE CASA OBRA MILAGRES

Lamentavelmente os parlamentares – de vereador a senador – não são eleitos para fazer acontecer a satisfação das reais necessidades das comunidades nem para garantir o cumprimento das promessas dos governantes. 

As condições objetivas para ganhar uma eleição continuam sendo as mesmas: dinheiro, redutos municipais, obras, verbas carimbadas, cabos eleitorais, cargos, clientela; e a única legítima delas – a determinação partidária ideológica fechada (“centralismo democrático”).

Outras avaliações consideram que a pobreza do Ceará é ao mesmo tempo tão aguda e tão crônica que está na “casa do sem jeito”. Porém o Ceará tem jeito, sim.

“E no entanto é preciso cantar. Mais que nunca é preciso cantar. É preciso cantar e alegrar a cidade. A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar” (Carlos Lyra – Marcha da Quarta-Feira de Cinzas).

Passa pelo apoio institucional e financeiro aos seguintes setores: Cultura, Turismo, Esportes e Parcerias com Organizações Não Governamentais idôneas (com suas operações acompanhadas on line, alhures e então).

O articulista refere-se a experiências inovadoras e exitosas na área do Turismo, realçando o posicionamento do Ceará, em terceiro lugar na preferência entre os turistas nacionais e estrangeiros, superado apenas pelos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

A linguagem e a terminologia da Contabilidade Pública; assim como das Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados e dos Municípios, estatuída pela famosa Lei 4320/64, tornou-se anacrônica, já não atende ao princípio denominado “full disclosure” (plena transparência).

Um leigo curioso é capaz de ler e entender razoavelmente o balanço de uma empresa privada; mas não consegue traduzir um balanço público. O orçamento federal há muito entrou para o anedotário popular: quando se quer falar de algo que não tem fim nem limites, diz-se que é “como o orçamento da república”. 

O livro e o artigo lamentam as “riquezas que escaparam entre nossos dedos”, como em um “atraso planejado”. Narram o declínio da avicultura; outras linhas de oportunidades; e a debacle do nosso “ouro branco” – o algodão “mocó”, que sobrepujava as outras espécies por ser de fibra longa.

Enquanto isso o todo-poderoso Professor Delfim Netto, que comandou nossa Economia anos a fio, perpetrava as seguintes asneiras:
– “É preciso primeiro fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”.
– “Quem sabe, faz. Quem não sabe, ensina”.

“Lamentavelmente, o ministro Delfim Neto proibiu as exportações desses produtos aos estrangeiros, impedindo que os cearenses fizessem crescimento e desenvolvimento naquela quadra decisiva, sob a alegação de que estava protegendo a indústria nacional, quando na verdade estava protegendo São Paulo (que, à época, estabelecia o mercado, arbitrando preços, condições e prazos) em uma guerra em que figurava sempre como o único vencedor”. 

Para que servem esses espertos e vorazes acumuladores de riqueza? Pergunta e responde o articulista: tão endinheirados, só buscam “oportunidades especiais”,   especulações, monopólios. Outros mais cáusticos e pessimistas entendem que eles só seriam úteis para concentrar riquezas, gerar desigualdades e poluir o planeta. Não mais investem em pesquisa, inovação e qualificação de pessoas.

“Em vista dessa incômoda indagação, se fecham em círculos, e tudo volta à mesma premissa anterior, como fez o rapper bilionário Jay Z: “Não posso ajudar os pobres se eu for um deles”. 

Por que, a essas alturas, 60 anos depois, desengavetar o sempre atual Darcy Ribeiro? Vou parodiar o grandioso intelectual brasileiro, aqui quase esquecido, mas sempre lembrado e admirado nas universidades anglo-européias, quando diagnosticou a crise educacional:

‘A crise (do Brasil, especialmente do Nordeste e do Ceará), não é uma crise: é um projeto’.

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