A crônica da Kelly: “Dia das Mães no tempo da Telemar e da Teleceará”

A crônica da Kelly: “Dia das Mães no tempo da Telemar e da Teleceará”

Crônica da jornalista Kelly Garcia, originalmente publicada no jornal Opinião CE:

Domingo das mães nos tempos da pandemia. Sua mãe mora longe. Como não deixar o seu dia especial passar em branco? Muito fácil! Era só encomendar uma serenata, mandar ir deixar na casa dela um almoço especial e um buquê de rosas. Fazer um delivery de presente. Tudo isso, se você tivesse dinheiro, era facinho de encomendar pelas redes sociais, ao alcance de um botão, com um pix. Depois, uma chamada de vídeo pelo WhatsApp. Pronto!

Agora, então, a coisa mais simples é abraçar pessoalmente. Não temos mais restrições sanitárias de nenhum tipo, embora as mudanças climáticas estejam cada vez mais destruidoras e isso pode impedir o reencontro, a depender do lugar.

Volte 30 anos. Sua mãe mora em outro Estado. Você, com dois filhos pequenos, sai em busca do único posto da Teleceará no seu bairro que faz interurbano. É um pouco longe da sua casa, mas como é Dia das Mães, você vai assim mesmo. Para sua sorte, sua mãe faz parte do grupo privilegiado de pessoas que têm uma linha telefônica em casa. Consigo lembrar até do número: 578-7856. Que coisa doida é a memória da gente!

A mãe com duas crianças é a minha. As crianças, eu e o meu irmão. Ele, nesse tempo, ainda nem andava direito.

Lembro que o posto da Teleceará ficava em um apartamento na parte mais alta do Araturi. Era caro e tinha fila. A gente sempre ia uma vez no mês e nas datas comemorativas. Talvez fosse algo como 30 reais por 5 minutos. Não sei direito.

Já para o meu pai falar com a minha avó, era só pessoalmente, quando ia na sua casa, no Córrego do Urubu, em Jijoca de Jeri. Para compensar, os filhos de Fortaleza sempre se juntavam para dar um bom presente. Quando chegou a energia, em 1993, compraram uma geladeira, um fogão e um liquidificador. Até pensaram em comprar uma televisão também, mas meu avô não quis. Ele cansava de dizer que enquanto ele fosse vivo, não ia ter televisão naquela casa. E não teve nunca mesmo. Em outro ano, compraram um motor de moer mandioca para casa de farinha. Os filhos eram generosos.

Minha mãe, nos poucos Dias das Mães que fui na minha avó Francisca, em São Paulo, isso ainda no meu tempo morando lá, até os cinco anos, me recordo de levarmos um presente simples. Era um conjunto de xícaras, um bule ou mesmo um kit de sabonetes com a colônia que ela mais gostava, a Leite de Alfazema, da Phebo. De comida, ela preparava uma macarronada à bolonhesa bem substanciosa, com bastante carne moída, herança dos Lavorato dela, que ela perdeu ao casar com meu avô espanhol.

Vivi todas essas transformações da comunicação entre parentes. Da carestia em ir para o posto da Teleceará para fazer ligação interurbana, passando para a nova era dos cartões telefônicos, quando tínhamos que comprar uns 4 de 50 unidades para tentar ver se dava para falar uns quinze minutos. O meu pai comprou um telefone em 1998, mas colocou uma chave. Tava era certo. Adolescentes têm muito assunto. O primeiro celular, ele só me deu já perto de eu concluir a faculdade e era o dele, usado.

Após a gente gastar tanto com ligações tão curtas, chegou minha vez de ter a mãe morando longe. Era ela quem comprava o cartão e ligava para a nossa casa. Foi morar em São Paulo quando se separou do meu pai e ficamos com ele. No nosso primeiro Dia das Mães separadas, ganhei um buquê de rosas em um sorteio. Como não podia mandar para ela pelo correio, fiz um pacote especial com meus melhores produtos do primeiro emprego, como vendedora da Avon. Eu havia acabado de completar 18 anos.

Na caixa dos correios, coloquei uns esmaltes vermelhos, o batom Marajoara Encore e o Pop Love de Melancia, que ela gostava, um splash de alfazema, um porta-joias de resina que comprei na Caucaia e fechei o pacote. Ela recebeu uns 20 dias depois e ficou muito feliz, disse. Em outro ano, comprei uns CDs da Clara Nunes e do Roberto Carlos.

O tempo passou, os cartões telefônicos deixaram de existir, chegou a Tim sem limites de interurbano e começamos a nos falar dessa forma. Aí, ela veio morar no Ceará de novo e nós falamos todos os dias pelo WhatsApp.

Jamais imaginei que a comunicação pudesse evoluir tanto. Não consigo deixar de me surpreender.

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A linoleogravura “Nossa Senhora”, no alto deste texto, é de autoria do artista plástico autodidata cearense João Paulo José da Silva. Historiador, trabalha com as linguagens artísticas da xilogravura, monotipia, pintura e escultura em madeira. No Instagram, publicada no perfil @jp.artesubjetiva