A crônica da Tuty: “Retrovisor”

A crônica da Tuty: “Retrovisor”

Crônica da jornalista Tuty Osório:

Acreditava, eu, não ser dada a nostalgias. Saudade, essa palavra tão portuguesa, tenho de pessoas, não de
tempos, momentos, passados. Relendo as crônicas vejo que andei iludida. Querendo, ou não, tenho umas
melancolias pretéritas. Poucas, mas tenho.

Embora, seja mais discípula de Gil, O melhor lugar do mundo é aqui, e agora. Que das Jovens tardes de domingo do Roberto. Sou fã dos dois, que eu não sou boba. Turma boa de canções. Tenho sorte de fazer parte dessa tal geração.

Meu pai era um memorialista por hobby. Juntava recortes de jornal, percorria sebos em busca de livros que
registravam as linhagens das famílias. Juntava a genealogia com a história e teria sido um bom guia para os descendentes dos sefarditas, atrás de uma origem que lhes facultasse um passaporte europeu.

Sou mais afinada com o gosto de minha mãe pelo presente. Cada dia um dia, com toda a preparação que esse dia recebeu para ser o dia. Minha mãe é epicurista com umas pautas em Aristóteles. O hoje é de luz porque ela é prevenida e mantém a vela de São José acesa. Com paciência e sabedoria, quem manda mesmo é Nossa Senhora.

Meu pai e minha mãe, juntos, ensinaram-me a gostar de histórias. Com eles aprendi a ouvir, a ler, a contar. E é nessa contação que o que é bom ser lembrado, se manifesta. São essas aventuras do longe, que garantem a travessia de agora.

A sala da minha mãe é clara, colorida, repleta de plantas naturais e algumas flores de pano. Uma paisagem segura, numa contemporaneidade incerta, vencida pela consistência de quem sabe quem é, porque conhece de onde veio.

Olho para minha mãe e vejo que é possível permanecer por amor ao futuro. Pois é o futuro, que ela, com 84 anos, generosamente nos entrega.

Onde a máquina me leva não há nada
Horizontes e fronteiras são iguais
Se agora tudo o que eu mais quero já ficou pra trás.
Qualquer um que leva a vida nessa estrada

Só precisa de uma sombra pra chegar
A saudade vai batendo e o coração dispara…

(primeiros versos de “Retrovisor “, de Fausto Nilo)

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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA
QUANDO FEVEREIRO CHEGOU
MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA