Texto publicado hoje (13.8) no site The Intercept:
Quantas vezes, ao ver um filme sobre o Holocausto ou algum documentário sobre o Apartheid você se perguntou o que faria se vivesse naquela época?
Gostamos de acreditar que nos comoveríamos com a dor de nossos vizinhos judeus ou que não assistiríamos calados a segregação racial ao qual a população negra era submetida.
Por que então permitimos que a população indígena seja dizimada diante dos nossos olhos?
Vou abrir um parênteses para a minha teoria.
No kit de sobrevivência dos brasileiros “rir da própria desgraça” é o remédio mais utilizado. Somos submetidos diariamente a tantas tragédias que nos sentimos sobrecarregados de informações e impotentes demais para agir — isso não é por acaso.
Manter as pessoas desinformadas e cansadas demais para se organizar politicamente é um projeto do status quo, que tem medo do poder do exercício consciente da nossa cidadania.
Voltando ao ponto inicial: há uma semana, a retomada indígena Yvy Ajere foi violentamente atacada com armas e tratores por jagunços em Douradina – MS — deixando 11 feridos, incluindo uma idosa e dois adolescentes.
Para te dar um pouco de contexto: o território já foi delimitado pela FUNAI e é alvo de conflitos fundiários desde 2011. Enquanto esperam a demarcação de suas terras, os Guarani-Kaiowá sofrem todos os tipos de violência pelos ruralistas e pela população local, segundo relatos obtidos pelo Intercept Brasil — único veículo de mídia presente nas retomadas, reportando os ataques.
“Nós também somos seres humanos, mas nos tratam como bichos”, nos contou o pai de um dos adolescentes feridos.
Com suas terras devastadas pela monocultura, os Guarani-Kaiowá não têm recursos para a sua subsistência. Como se não bastasse, o ódio contra eles fomentado pelas fake news ruralistas é tão eficaz, que não conseguem nem comprar alimentos e combustível na cidade, tamanha a segregação.
Neste momento, ao menos 70 Guaranis-Kaiowá, 30 deles crianças, passam fome e vivem na incerteza de que novos ataques venham a acontecer — tudo isso enquanto a bancada do agronegócio está em Brasília fazendo de tudo para impedir a demarcação das terras delimitadas pela FUNAI.
Incêndios, grilagem, segregação, fake news e lobby. Parece areia demais para o nosso caminhãozinho e seguimos desviando o olhar. Mas, devido ao nosso jornalismo, as autoridades locais e federais são forçadas a prestar atenção e pressionadas a agir. Nossa missão é fazer a balança pender a favor dos direitos humanos das comunidades mais vulneráveis do Brasil.
Temos muito mais a reportar e revelar. Agora, precisamos de sua ajuda para continuar nossa cobertura da situação dos Guaranis-Kaiowá e de outros povos ameaçados em todo o Brasil. Quase todo o nosso financiamento vem de doações de nossos leitores.
O que mais nós, como sociedade, podemos fazer?
Já passou da hora de revirarmos o nosso kit de primeiros socorros em busca de outros remédios para os problemas que enfrentamos como nação, pois o humor mórbido deixa de ter graça quando o fruto da nossa falta de ação nos atinge.
Se tem algo que a tragédia no Rio Grande do Sul nos ensinou é sobre a força de mobilização que temos quando recorremos à nossa indignação. E é essencial lembrar que esse chamado a nível nacional não aconteceria sem a grande cobertura que a mídia destinou para as enchentes e para a necessidade de ajudar.
Só que a grande mídia financiada pelo agro não tem tanto interesse em reportar o genocídio dos povos indígenas. Por isso ele passa tão despercebido. E é para preencher essa lacuna que o Intercept está aqui.