A crônica da Tuty: “Viver”

Texto da jornalista e escritora Tuty Osório:

Minha ambição maior como mãe foi a de conquistar a confiança das minhas filhas. Nunca quis mandar, projetar, operar o milagre de tirar de seus caminhos todos os sofrimentos e obstáculos. Tive essas tentações, evidentemente. Fui percebendo a impossibilidade e lutando para que tivessem em mim a referência do possível e da imperfeição segura.

Hoje, duas adultas desenham seus destinos com autonomia e coragem. Estamos juntas sempre, em presença e em pensamento. São mais doces os dias porque elas estão aí. Por vezes aqui, outras tantas ali e acolá. Sou porque são, na mais pura aldeia que nos une e nos separa. Assim é, porque assim se existe além da superfície.

Dia desses, recebi de uma amiga um livro que fala dessa maternidade sem culpa, desse cosmos que nos faz mais importantes porque dispensáveis. Não se trata de desapego. É a multiplicação do conhecimento, as práticas do bem viver arriscadas e experimentadas.

O ofício das minhas filhas é de arte, de criação. Também de muito suor e lágrimas, muita ralação, temperada de delírio. Sigo esses passinhos como uma aprendiz nas lousas brilhantes do século XIX. Elas afagam a minha cabeça com bondade, fazem cara feia à minha teimosia, riem da minha alegria diante de singelas conquistas do cotidiano movido a teclados sensíveis.

O livro que ganhei da amiga é um conjunto de ensaios. Juntos são um romance. Não é ficção nem realidade. Nem auto ajuda, nem moralidade. É sobre nós, nossa lida universal de gente que cuida e é cuidada. O maior presente foi descobrir, mais uma vez, que posso surpreender-me com a aparente banalidade. Que o óbvio é o intenso vizinho do humilde original.

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Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora. São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de
2023).

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SÕNIA VALÉRIA, A CABULOSA
QUANDO FEVEREIRO CHEGOU
MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA