Texto do jornalista, mestre em Direito Privado e professor universitário Valdélio Muniz. O autor é membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (Grupe-UFC). valdsm@uol.com.br:
Há diversos modos de se perceber a tecnovigilância no cotidiano. A mais perceptível é quando os cidadãos são monitorados em lugares públicos ou abertos a uma coletividade, pelo uso de câmeras. Outra é por meio de redes sociais que ofertam serviços a usuários (canal de conversas instantâneas, busca de endereços ou pesquisas por palavras-chaves), mas que captam suas “pegadas digitais”, hábitos de consumo, dados e preferências pessoais.
Quem nunca, ao terminar de conversar sobre determinado produto ou lugar que desejaria (re)visitar, recebeu, em seguida, ofertas e promoções relativas a estes produtos ou lugares? Não foi mera coincidência. Shoshana Zuboff, pesquisadora americana, trata a questão em sua obra A era do capitalismo de vigilância, ao dizer que o capitalismo de vigilância não é tecnologia, mas uma lógica que permeia a tecnologia e a direciona numa ação.
Há empresas que espalham câmeras em diversos pontos dos seus estabelecimentos sob justificativa de oferecer segurança aos empregados. Nenhum problema, pois são espaços coletivos e institucionais, exceto quando câmeras são instaladas em banheiros ou vestiários, ofendendo a intimidade do trabalhador. Mas, como tudo que advém da tecnologia, esta vigilância se sofisticou a ponto de invadir a privacidade de trabalhadores sem que eles tenham conhecimento do grau de monitoramento a que estão expostos.
Há tecnologias, com auxílio de inteligência artificial, que permitem ao chefe “algorítmico” instalar nos equipamentos de trabalho mais do que meros sistemas de verificação de produtividade. Denominados bosswares (do termo boss, em inglês, chefe, patrão), há aplicativos capazes de capturar conversas, analisar conteúdos, duração e até tom de voz, sem que haja transparência sobre como isso ocorre.
Pode parecer ficção e remeter à ideia do Big Brother, de Orson Wells (1984) ou ao filme O show de Truman, de 1998 (Jim Carrey). Mas, não é mera elucubração teórica. São programas como Vericept Protect, que vasculha correspondências em busca da transmissão de dados confidenciais; NetVizor, que, de modo invisível, monitora redes, a partir de um ponto central, com capacidade de registrar digitações, senhas, palavras ou expressões em sites de busca, conversas online, sites e arquivos abertos pelo usuário e até captura de telas; e Spector 360, renomeado para Veriato 360, que produz banco de dados e relatórios de atividades realizadas pelo usuário num computador.
A falta de transparência quanto aos limites do monitoramento e a consciência do trabalhador quanto às possibilidades de vigilância trazidas pelas tecnologias sobre sua intimidade (e até mesmo de sua família, quando se trabalha em home-office) podem tornar doentio (extremamente tóxico) o ambiente de trabalho.
O tecnoestresse (decorrente do uso de aparato tecnológico) aumenta o risco de acidente de trabalho e de adoecimento ocupacional e tende a transformar estado de ansiedade
em esgotamento mental (Burnout).