A crônica da Tuty: “A minha bolsa guarda segredos”

Crônica da jornalista e escritora Tuty Osório:

Seu Paulo é o chaveiro da minha rua. Trabalha com esposa, filha, irmão, cunhado. Tem um Quiosque branco na calçada, vizinho à Banca de Jornais do Sucesso, também chamado de Cabeça, dois resistentes em tempos de fechaduras eletrônicas e leituras digitais. Não gosto de chaves. Só que tenho algum juízo e sei que são úteis. A minha ficou emperrada num domingo, na fechadura da porta da cozinha do apartamento, do lado de fora. Mesmo tendo uma tranca inventada por meu pai e mantida por minha mãe, após encantar-se ele em 2021, fazia-me aflição aquela chave ali, ao léu. Peguei do espremedor de limão, na falta de ter à mão um martelo, e quebrei a danada.

Paz relativa, procurei seu Paulo pessoalmente na segunda à tarde. Relatei o ocorrido.

– A senhora podia ter enviado um zap – considerou a esposa.

– Já que era o caso, preferi vir a pé e pedir providência olho no olho- justifiquei.

– Sei! – sorriu ela.

– A senhora é do tempo da cadeira na calçada, conversa de pé de muro – arrematou.

– Pois é! – concordei.

– Meu pai sentava no jardim com a gente todas as noites para conversar sobre o dia, – comecei.

– Mas isso já é outra história – recuei.

Seu Paulo ficou de ir no dia seguinte, a partir das nove. Às nove e dez chegou à minha casa, após abrir o quiosque.

Exame rápido, diagnóstico simples, toco de chave retirado, encomendamos mais duas novas para sobrar. As outras estavam fora com filho, filha e netas. Seu Paulo agradeceu a preferência. Eu e minha mãe agradecemos a presteza.

Hoje passei na Banca do Sucesso para comprar a Cult e dei um adeus pro Seu Paulo que me chama de dona Maria sem saber que sou Maria, mesmo. Maria é universal, total, contempla a todas. Maria, Maria, minha guia, minha via de comuns dias, em tempos que correm demais.

Lembro da amiga que adora sapateiros, costureiras. Que não guarda pedacinhos de sabonete, mas corta as embalagens de creme com faca, para aproveitar até o fim. Eu também faço isso. Conserto os eletrodomésticos com mágoa de saber que é teimosia. Nada de apocalipses, diz o outro amigo, otimista recente, contagiante em sua convicção. Enquanto seu Paulo lá estiver, acredito, sim. Acredito por querer.

*** ***

Tuty Osório é jornalista, especialista em pesquisa qualitativa e escritora.

São de sua lavra QUANDO FEVEREIRO CHEGOU (contos de 2022); SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA (quadrinhos com desenhos de Manu Coelho de 2023) e MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE MARIA AGUDA, dez crônicas, um conto e um ponto (crônicas e contos, também de 2023).

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SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA
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