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Agência Pública: “Já que é Dia das Bruxas: quais são os seus medos modernos?”

Texto da jornalista Giovanna Girardi, da Agência Pública:

O pessoal aqui na Agência Pública resolveu entrar hoje na brincadeira do Dia das Bruxas e propôs um tema para uma festinha na firma: venha fantasiado com seus medos modernos!

A primeira coisa que pensei foi em uma camiseta com as listras de aquecimento. Um gráfico famoso e bastante eloquente que mostra a evolução da temperatura média do planeta ao longo de pouco mais de cem anos. Este abaixo.

Certamente o que mais me apavora hoje são as mudanças climáticas. Não, caro leitor, infelizmente escrever sobre esse assunto não é só o meu emprego. Confesso que isso toma tanto espaço na minha cabeça que é meu tema na terapia semana sim, semana não.

No ano passado, quando enfrentamos ondas de calor seguidas aqui em São Paulo, encasquetei que ia morrer em uma delas. Se não naquelas, especificamente, mas em alguma ainda mais quente no futuro. Tá… talvez não morrer, mas, no mínimo ter um treco.

Infernizei tanto o meu marido para comprar um ar-condicionado portátil que o pobre acabou se atrapalhando e encomendou um na voltagem errada. Perdemos o prazo de troca e acabamos tendo de vendê-lo. Sigo sem o ar e já apavorada com o verão. Meio ridículo, eu sei. Releve, por favor.

O que me apavora mesmo é a inação. A sensação de abandono, de desesperança. Acordar e ver as imagens da mais recente tragédia climática – a pior tempestade do século na Espanha, que causou pelo menos 155 mortes –, e ter a certeza de que isso não comove, de fato, os tomadores de decisão.

Assim como também não parecem comover os eleitores – a exemplo do que vimos no Rio Grande do Sul neste ano. Como disse um comentarista na GloboNews no último domingo, os porto-alegrenses revelaram ter mais medo de um suposto comunismo da Maria do Rosário (PT) do que dos riscos de manter um prefeito (Sebastião Melo, do MDB) que deixou a cidade vulnerável a enchentes.

“Confesso que não entendo bem por quê, mas o clima ainda não se tornou tema prioritário nas campanhas eleitorais nem do Brasil nem de muitos outros lugares do mundo, apesar de já ser, sim, uma preocupação de muita gente.
Vejamos a eleição dos Estados Unidos, que chega na reta final na próxima terça-feira (5). O país penando com um furacão atrás do outro, cada vez mais letais e causando mais prejuízos, e os desastres só entraram na campanha porque viraram alvo de desinformação por parte de Donald Trump, que espalhou mentiras de que a ajuda federal não estava chegando aos estados republicanos.

O mesmo Trump que uns dias depois dos furacões diria em um comício que ele é “um ambientalista”, mas meses antes estava prometendo a CEOs de petroleiras que revogaria várias regulações ambientais em troca de US$ 1 bilhão para sua campanha.

Kamala Harris tinha tudo para fazer dessa a sua bandeira, promovendo a mensagem de que é possível reduzir emissões de gases de efeito estufa e gerar emprego ao mesmo tempo, mas acabou abordando o tema de maneira bastante tímida. Marina Amaral, Ricardo Terto e eu discutimos isso no episódio desta semana do “Bom dia, fim do mundo”. Ouça lá.

A eleição americana é considerada o evento mais importante do ano para a questão climática porque a forma como o país – o maior emissor contribuinte histórico ao aquecimento global – vai se portar diante do problema nos próximos anos vai ser fundamental para o sucesso ou o fracasso dos esforços globais para combatê-lo.

O que me dá medo, no entanto, é que a gente não depende só dos Estados Unidos para isso dar certo. Aqui, lá, em todo lugar ainda há poucos governantes levando a sério mesmo a mudança do clima, tomando atitudes drásticas para conter as emissões. Como comentei neste espaço na semana passada, o momento requer uma ação sem precedentes.

Mas a gente ainda está no ritmo de dois passos para a frente e um para trás. Vejam o exemplo da Conferência da Biodiversidade da ONU, que está sendo realizada até o fim desta semana em Cáli, na Colômbia. O evento tem como foco a perda de espécies em todo o planeta e há uma demanda para que o problema seja tratado também pela perspectiva de sua intersecção com as mudanças climáticas – afinal, um alimenta o outro.

A ideia é que os dois esforços sejam alinhados, que haja sinergia entre as duas convenções da ONU sobre os temas. De modo que havia uma expectativa de que na decisão de Cali fosse também mencionado o compromisso definido no ano passado na Conferência do Clima, em Dubai, para que os países façam sua transição para a saída dos combustíveis fósseis (“transition away”, em inglês).

A proposta era dizer que os objetivos para proteção da biodiversidade não serão possíveis de ser alcançados sem que se abandonem os fósseis dos sistemas energéticos. Veja bem, é uma linguagem já acordada desde o ano passado. Mas tem país (Arábia Saudita, óbvio) dizendo que isso não é bem uma decisão, é mais uma coisa opcional. E qualquer menção aos fósseis foi simplesmente deletada (tem um texto bacana disso no Climate Home News, em inglês).

Pois é. Dois passos para a frente, um para trás.

Meu medo moderno é bem palpável. Qual é o seu?

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