Texto de Alexandre Aragão de Albuquerque, mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ):
Entende-se por périplo uma marcha que se desenvolve por um circuito pré-determinado com o objetivo de conquista de interesses definidos. Por meio de tal circuito, busca-se coletar informações dos diversos locais de parada, para poder obter uma melhor compreensão estratégica que viabilize a obtenção do resultado almejado. Por fim, a noção de périplo contempla também o sentido figurado em referência a um percurso espiritual por meio do qual os humanos buscam aproximar-se de Deus.
No último dia 21, data emblemática, comemorativa do herói nacional Tiradentes, mártir da liberdade, enforcado pelo poder imperial, o inelegível Bolsonaro reuniu em comício cerca de 33 mil pessoas em Copacabana, Rio de Janeiro, transmitido pela internet, dando continuidade à sua marcha político-eleitoral visando ao embate municipal a realizar-se em outubro próximo. No referido ato, ele aproveitou, entre outras coisas, para dar palanque aos seus aliados pré-candidatos do PL carioca.
Michelle também falou enfaticamente sobre a disputa eleitoral, diferentemente do discurso na Av. Paulista, no qual ali centralizou seu pensamento fundamentalista na teologia política neopentecostal da qual é representante. Em Copacabana ela afirmou que “é um ano decisivo para o Rio de Janeiro, que vocês possam escolher bem seus candidatos, porque nós precisamos de uma política nova, precisamos de gente de bem, que não vai aprisionar o seu povo” [em referência aos arruaceiros condenados judicialmente pelos atos golpistas de 8 de janeiro].
Nos últimos meses, Bolsonaro visitou ao menos 37 cidades em 13 estados. No Nordeste brasileiro já esteve em Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco e Sergipe. No último dia 26 ele foi a Aracaju, percorrendo diversas ruas da capital, sempre ovacionado por sua claque como “mito”, tendo se hospedado na residência do bolsonarista João Fontes (ex-deputado federal), pré-candidato à prefeitura local.
Como lembra George Sorel em sua Reflexão sobre a violência, o mito é apelo ao movimento, incitação à ação, estimulador de energia de excepcional potência. Um mito busca se impor em sua autonomia, constituindo ele próprio um sistema de crença. Ele não invoca outra legitimidade que não a de sua simples afirmação, nenhuma outra lógica que não a de seu desenvolvimento.
O mito está ligado à ideia de mistificação, camuflagem, ilusão, fantasma, engodo. Contradiz as regras do raciocínio lógico, interpondo-se como uma tela entre a verdade dos fatos e as exigências do conhecimento. Por isso a insistência em identificar Bolsonaro como tal.
Um mito político, do mesmo modo que o religioso, aparece fundamentalmente multiforme, polimorfo. Consequentemente, é igualmente ambivalente, possuindo infinitas possibilidades de reversão. Por exemplo, “a casa” é sonho de abrigo, de segurança e de refúgio para os bons, mas também pode conter a imagem de calabouço, de amortalhamento e de sepultura para os maus. Se por um lado existe uma sombra ameaçadora, por outro há uma nuvem tutelar. É nesse leito que navega o mito.
O processo de heroificação que resulta na transmutação do real em sua absorção do mítico requer, necessariamente, uma construção intencional do imaginário pessoal e coletivo, uma fabricação organizada. Ensinam os etnólogos que não existe xamanismo sem uma certa dose de encenação, nem feiticeiro que não seja também ator.
Segundo Joseph Goebells (1897-1945), um dos articuladores do mito nazista alemão, é pela palavra, pelo uso do Verbo, que os mitos pretendem decidir o curso da história. Indaga Goebells: “O que fez Jesus Cristo, escreveu livros ou fez pregações? Mussolini era um escritor ou um grande pregador? Apenas os grandes criadores do Verbo fizeram os grandes movimentos políticos e religiosos”.
Umberto Eco (1932-2016), semiólogo italiano, aponta que o fascismo não tinha base filosófica sólida, mas era firmemente articulado com alguns arquétipos. Uma de suas características tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por crises econômicas, assustadas pela pressão dos grupos subalternos.
Ao mesmo tempo, atesta Wilhelm Reich (1987-1957), psiquiatra austríaco, a classe média começou a movimentar-se como força social sob a forma de fascismo. Portanto, não se trata apenas das intenções reacionárias de Hitler ou Göring, mas também dos interesses sociais das camadas da classe média.
Portanto, os democratas brasileiros hão que captar com maior seriedade o movimento realizado pelo bolsonarismo nos últimos meses, para poder compreender e alavancar o devido combate contra seu projeto nefasto. Afinal, uma das características do mito é a capacidade de ressurgir. Por isso é preciso combatê-lo continuamente.
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Alexandre Aragão de Albuquerque é também autor dos livros Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria).
Este texto foi originalmente publicado em https://segundaopiniao.jor.br/