Vida que se constrói num buraco na rua, entre ratos, lama, lixo e incompreensão. Tudo num esgoto – se é que se pode construir algo, principalmente vida, nesse nível subterrâneo de degradação. O que é ficção, contado no livro “Buraco de dentro”, de Ana Márcia Diógenes, é o que pode ser chamado de realidades a serem relatadas por muitas pessoas que estão hoje submetidas nas cidades a condições desumanas de moradia, trabalho, educação, saúde e alimentação.
Não é só o buraco em que as pessoas se enfiam ou são enfiadas, mas os que existem dentro delas – crescentes, corroendo e engolindo sonhos, possibilidades, potenciais, vontades e necessidades.
“É um roteiro delicado de uma narrativa factual encandeante. Embaça tudo o tempo todo e o leitor só vai saber no fim do enredo se aquele povo, de corpo entranhado por um bueiro, vai persistir indigente ou se virará Boletim de Ocorrência”. O trecho do prefácio, do jornalista e escritor Demitri Túlio, traduz o ritmo da obra da escritora.
O livro (Editora Patuá) tem 196 páginas. É o primeiro romance de Ana Márcia, jornalista. Foi lançado nacionalmente na agenda paralela da Festa Internacional de Paraty, a Flip, em outubro. Agora, terá lançamento no Café Passeio do Passeio Público, em Fortaleza, no dia 9 de novembro (sábado), a partir de 11 horas. “Buraco de dentro” é, na verdade, a representação de uma realidade que compõe os cenários das grandes cidades. Vítor, o personagem principal, narra a sua história em primeira pessoa, com a linguagem possível. Não permaneceu muito tempo na escola, foi tragado pelas ruas. É filho de catador de lixo, irmão mais velho de uma legião de crianças que veem a infância barganhada na fome e na violência.
No posfácio, como poesia, a escritora Mell Renault desfia a essência da obra como “um livro grito, um livro gemido, um livro abismo.”
Nesse romance, bruto nas suas desvivências, a vida passa a ser um grande e infinito buraco de dentro. O ciclo da pobreza, na sua reprodução de misérias, engole, como redemoinho, Vítor, a companheira e filhos. A rua é mapa de tentativa de sobrevivência, onde tropeçam em buracos de fome, de sede, de assédio, de opressão, de limites.
“Escrever Buraco de dentro trouxe inúmeros desafios. Um deles foi contar, em fluxo de consciência de um homem com pouca escolaridade, um cotidiano de sofrimento. Outro foi mexer com o pânico de barata”, diz a autora que, desde 2013, pesquisa sobre pessoas que moram nas ruas e como fazem para sobreviver. “Tive dois leitores críticos fundamentais neste processo: os jornalistas cearenses Demitri Túlio e Ronaldo Salgado; além da mentoria da mineira Mell Renault”.
A autora
Buraco de dentro é o oitavo livro da escritora e jornalista Ana Márcia Diógenes. Ela também publicou o infantojuvenil “De esfulepante a felicitante, uma questão de
gentileza” (Dummar), os contos “Pérfuro-Matante” e “Reze que meus pés não apontem para você” (Amazon), “Poesias e contos pequetitos (artesanal)”, o livro de poesia “Rosa dos ventos” (Minimalismos), um livro-arte em forma do jogo “Tabuleiro de poemas” (artesanal), o infantil “Entrou injeção, saiu o quê?” (Quichaitá, selo editorial da autora) e “Buraco de dentro” (Patuá).
Ana Márcia Diógenes é graduada em jornalismo pela Universidade Federal do Ceará e mestre em Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará. É especialista em Responsabilidade Social (Estácio), Psicologia Positiva (PUCRS) e Literatura, arte e filosofia (PUCRS). Foi diretora de Redação de jornal e TV; coordenadora do UNICEF no Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte; Secretária Adjunta da Cultura do Estado do Ceará e professora de Jornalismo.
Atualmente é consultora em comunicação e escreve sobre comportamento na plataforma de streaming O Povo Mais.
Participa de coletâneas, como autora ou organizadora. Tem textos publicados nas revistas Contos de Samsara, Cassandra, Minha voz cultural, Desvario e The Bard.
Integra os Coletivos Escreviventes, Mulherio das Letras e Lamparinas.
– Frases do personagem –
“O relógio de uma noite, quando se passa um dia inteiro com medo até chegar a outra noite, apavora quem já vive escapando do medo”.
“Sempre tentei entender o que devia sentir um peixe dento deum aquário. Vendo uma vida que nunca ia dá pra alcançar. Agora me sentia pior que peixe”.