Texto do jornalista Paulo Motoryn (foto), do site The Intercept Brasil:
Uma tropa de ministros alinhados politicamente com Jair Bolsonaro no Tribunal de Contas da União, o TCU, está a cargo de decisões que podem livrar o ex-presidente das consequências legais de suas ações no governo e colocá-lo de volta ao tabuleiro político. O movimento teve mais um capítulo nesta semana, com uma decisão que favorece Bolsonaro no caso das joias. Mas não começou agora.
O protagonismo político do TCU vem, no mínimo, desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Na ocasião, a Corte se engajou na deposição da petista com a rejeição das contas do governo de 2015, baseada no argumento das “pedaladas fiscais”. Grupos de auditores, por sinal, foram os primeiros a adotar publicamente o termo. Anos depois, o próprio TCU arquivou o caso e absolveu os envolvidos.
Agora, ministros do mesmo TCU voltam aos holofotes da cena política.
Na quarta-feira, a corte tomou a decisão de liberar o presidente Lula de devolver um relógio de luxo.
Assim, estabeleceu a tese de que, sem uma legislação específica, tais presentes não podem ser classificados como bens públicos – o que foi tido por especialistas como uma grande vitória de Bolsonaro no caso das joias sauditas.
Não à toa, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PL de São Paulo, saiu em defesa dos ministros da Corte. “Lula quer mandar no TCU”, escreveu o filho do ex-presidente no Twitter, comentando uma notícia de que o atual presidente teria ficado revoltado com a decisão.
A decisão cria um precedente favorável para Bolsonaro nas investigações sobre as joias recebidas durante seu mandato. Com seu aliado Augusto Nardes como relator do processo, há expectativa de que a mesma interpretação possa ser aplicada – revertendo a decisão anterior que proibia o ex-presidente de usar ou alienar essas joias.
Como escreveu nosso colunista João Filho em seu texto publicado hoje: o encadeamento dos fatos deixa tudo bastante óbvio. “Um parlamentar bolsonarista entra com uma ação sem pé nem cabeça no TCU; ministros bolsonaristas matam no peito e passam a bola açucarada para os advogados de Bolsonaro tentarem livrar a cara dele”.
O apoio incondicional de ministros do TCU ao ex-presidente, em especial Augusto Nardes e Jorge Oliveira, não é surpresa. Numa reportagem do ano passado, revelamos que Oliveira participou de reunião com Carlos Rocha, do Instituto Voto Legal, que promovia alegações infundadas contra a segurança das urnas eletrônicas.
A reunião foi parte de um esforço maior de figuras ligadas a Bolsonaro para questionar o sistema eleitoral brasileiro, estratégia central do ex-presidente. Indicado ao TCU por Bolsonaro, Oliveira já defendeu o voto impresso, afirmando que a proposta “foi vencedora” na Câmara dos Deputados –mesmo sem ter obtido a maioria necessária.
Em sua atuação na Corte de Contas, Oliveira atrasou a aprovação de um relatório que atestava a segurança das urnas eletrônicas ao pedir vistas do documento. Em seu voto, destacou supostas vulnerabilidades do sistema, replicando teorias já refutadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Revelamos a ligação entre o ministro do TCU Jorge Oliveira, o governo Bolsonaro e figuras envolvidas em ataques às urnas eletrônicas.
Também desvendamos como a Abin de Bolsonaro espionou ilegalmente milhares de pessoas, e as provas que reunimos foram utilizadas na investigação da Polícia Federal.
Como pode ver, nosso jornalismo é uma arma potente para acabar com a impunidade dos poderosos. Mas nossa equipe não consegue desafiá-los sem nossos leitores que estão cansados de injustiças, como você — e que querem fazer algo para impedi-las.
Nardes, por sua vez, é o ministro que enviou um áudio com teor golpista em um grupo de WhatsApp em novembro de 2022. Na mensagem, fez a sugestão de que as Forças Armadas estavam prontas para um golpe de estado. Um dia após compartilhar esse áudio, o ministro entrou com pedido de licença médica. Só retornou ao cargo em janeiro de 2023.
É verdade que, por mais intensa que seja a atuação do TCU em favor de Bolsonaro, sua inelegibilidade em 2026 não será revertida. Mas quis o destino que o tribunal tivesse a incumbência de garantir que, em 2030, ele estará no jogo.
Isso porque, ao condenar o ex-presidente em 30 de junho do ano passado no caso da reunião com embaixadores na qual Bolsonaro questionou a integridade das urnas eletrônicas, o Tribunal Superior Eleitoral remeteu a decisão ao TCU para apurar eventual dano aos cofres públicos.
Entre custos técnicos e os dos 47 min de espaço na TV Brasil, o valor gasto com a transmissão do encontro pode chegar a quase R$ 1,5 milhão, segundo o UOL.
Se o tribunal julgar que as contas do ex-presidente são irregulares e decidir condená-lo ao ressarcimento, Bolsonaro se enquadrará na Lei da Ficha Limpa. Caberá então à Justiça Eleitoral analisar a eventual decisão do TCU e decidir pelo aumento do período de inelegibilidade do ex-presidente.
Quem dita o ritmo da tramitação deste caso no TCU é o ministro Jhonatan de Jesus. Ex-deputado pelo Republicanos de Roraima e filho do senador Mecias de Jesus, ele chegou ao TCU pelas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira, do PP de Alagoas, que era aliado de Bolsonaro enquanto ele estava na Presidência da República.
Os passos são de tartaruga. Depois de quase um ano de auditoria, o processo chegou à mesa de Jonathan de Jesus em 28 de maio do ano passado. Questionado pelo Intercept, o TCU disse que os documentos do caso estão sob sigilo e que, até o momento, não há decisão da Corte.
Mas as chances de uma decisão negativa são cada dia menores.
Sim, no STF, Bolsonaro não terá tanta sorte. Provavelmente, será condenado e pode até pegar algum tempo de prisão. Mas não o suficiente para que esteja fora do jogo em 2030. Com o TCU, com tudo.