Falta de médicos no interior não é só uma questão de salário

Quanto mais distante um município brasileiro está da região metropolitana, maior é a carência de médicos. Os dados do Painel da Educação Médica comprovam. De acordo com a plataforma criada pela Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES), em parceria com o portal Melhores Escolas Médicas, enquanto Belo Horizonte tem 6,60 profissionais para cada mil habitantes, em Curral de Dentro, a 711 quilômetros da capital mineira, o coeficiente é de apenas 0,08. Se Porto Alegre dispõe de 7,75 médicos por mil habitantes, Capão do Leão, a 266 km, tem somente 0,11. Na Bahia, a média de 4,02 registrada em Salvador contrasta com a de 0,10 no município de Buritirama, distante 764 km da cidade onde, há mais de dois séculos, nascia a primeira faculdade de Medicina do Brasil.

Esses são alguns exemplos de um país onde, uma década após a criação do Programa Mais Médicos, quase 80% dos municípios não possuem sequer dois profissionais para cada mil habitantes. Mas, afinal, de que forma é possível incentivar a interiorização dos médicos brasileiros? No documento de propostas Caminhos Para Fortalecer a Saúde Pública no Brasil, a Agenda Mais SUS, iniciativa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e da Umane, adverte que a oferta de salários atrativos, por si, não é garantia de sucesso. Fatores como identificação ou proximidade com o local de trabalho, nível de infraestrutura e contexto sociocultural podem pesar mais no momento de um médico escolher onde quer trabalhar.

“Médicos e profissionais formados que se identificam com o contexto sociocultural dessas regiões (as mais carentes) teriam maiores chances de se fixar nelas, tornando as estratégias de interiorização mais efetivas. Simultaneamente, para aqueles que não vivenciaram estes contextos, a realização de estágios ou programas de pós-graduação em áreas remotas, por tempo suficiente, poderia gerar uma aproximação com os desafios da saúde local, além da identificação sociocultural, facilitando a permanência”, indica a Agenda Mais SUS.

Os pesquisadores Francisco Costa e Fábio Miessi Sanches, da Fundação Getúlio Vargas (FVG), e Letícia Nunes, do Insper, simularam os efeitos de diversos tipos de políticas públicas sobre a distribuição geográfica de médicos no Brasil, a partir de informações que exploraram as preferências de aproximadamente 50 mil generalistas formados no país entre 2001 e 2013. “As simulações mostram que políticas baseadas na expansão do número de vagas em escolas de medicina em regiões onde a oferta de médicos é baixa ou quotas para estudantes nascidos nessas regiões reduziriam pela metade a desigualdade regional na distribuição de médicos. A política baseada em salário produziria redução de apenas 13,4%”, observaram os autores.

Estratégia Saúde da Família
Criada para contribuir com o debate público eleitoral e subsidiar a gestão do Governo Federal a partir de diagnósticos e propostas concretas para o aprimoramento do Sistema Único de Saúde (SUS), a Agenda Mais SUS não propõe apenas a criação de estágios e programas de extensão em áreas remotas e a aplicação de critérios e preferências de admissões em cursos ou cotas em graduação, pós-graduação e residência médica para pessoas que moram em áreas desabastecidas. Orienta que todas as equipes de saúde que ainda atuam nos moldes tradicionais de Atenção Primária passem a trabalhar no modelo Estratégia Saúde da Família (ESF), que oferece cuidados de saúde completos a uma determinada população, por meio de uma equipe multidisciplinar.

O argumento é que a ESF vem demonstrando bons resultados em diversos indicadores, como redução da mortalidade nos menores de 5 anos, melhor controle de pacientes crônicos e menor número de internações desnecessárias. Na área médica, essa mudança de modelo significa mais espaço para profissionais especializados em Medicina de Família e Comunidade. Contudo, em 12 das 27 unidades da Federação, a média é de menos de um médico de família para cada cem mil habitantes.   

“Na conjuntura atual, esse processo de conversão (da Atenção Primária tradicional para Estratégia de Saúde da Família) representa uma tarefa complexa, dada a indisponibilidade de recursos para investimentos e custeio, contratação, formação e até transição de outras especialidades para a Medicina de Família. Mas, frente às evidências de maior efetividade do modelo ESF, atrasar a tarefa de conversão traz riscos à saúde coletiva”, alerta a Agenda Mais SUS.

Eleições 2024: orientações para candidatos
Apesar da carência de profissionais, principalmente, nas cidades mais distantes dos grandes centros urbanos, a analista de Relações Institucionais do IEPS, Julia Pereira, avalia que não é possível relacionar diretamente o número de médicos com os baixos indicadores de saúde. “Muitas vezes, os resultados estão mais ligados à organização do SUS local do que à quantidade de médicos, até porque o princípio da Atenção Primária à Saúde é contar com atendimento por equipes multiprofissionais”, argumenta.

“A Agenda Mais SUS nas Cidades, que apresenta recomendações para que candidatos e candidatas das Eleições Municipais de 2024 priorizem ações de fortalecimento da Atenção Primária à Saúde nas propostas de campanha e as integrem à agenda política dos novos mandatos a partir de 2025, traz indicadores de saúde em todas as capitais brasileiras. Esses indicado
res mostram que Porto Velho, por exemplo, tem o melhor acompanhamento de pessoas com diabetes entre as capitais (41%), mas o pior acompanhamento pré-natal (44% das gestantes sem atendimento adequado). Curitiba, por outro lado, tem o melhor acompanhamento pré-natal (87% das gestantes atendidas prejudicadas), mas uma das piores relações entre leitos e população (160 por cem mil habitantes)”, pondera Julia.

No documento Aliança pela Saúde Pública nos Municípios Brasileiros, a Agenda Mais SUS nas Cidades orienta que os candidatos das Eleições 2024 assumam os compromissos de expandir e qualificar de forma planejada as equipes de Saúde da Família; investir em ações de promoção à saúde, com foco especial na proteção das crianças; valorizar de forma concreta os profissionais de saúde; buscar soluções para reduzir o tempo de acesso aos serviços de saúde; e aprimorar a comunicação para facilitar e qualificar o acesso da população à saúde.

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