Osvaldo Euclides de Araújo: o Banco Central é, sim, pauta obrigatória e prioritária

Textos do economista Osvaldo Euclides de Araújo, mestre em Administração. Foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do site Segunda Opinião, no qual os artigos a seguir foram originalmente publicados:

Precisamos falar do “BC DO B” – PARTE 1

Os presidentes da República mataram os dois monstros que maltratavam os brasileiros: Itamar Franco e Fernando Henrique acabaram com a hiperinflação e Lula acabou com a impagável divida externa.

Já faz vinte anos que o Brasil resolveu o dramático problema da dívida externa. Ele não existe mais. Já faz vinte anos que o Brasil exporta muito mais do que importa. E já faz vinte anos que o Brasil tem reservas monumentais em dólares. Breve essas reservas poderão chegar a meio trilhão de dólares. E anualmente o país recebe ainda mais dólares de investimento direto.

Nesses vinte anos também deixou de ser uma obsessão ou uma conveniência comprar dólares como proteção contra a inflação – a inflação é pequena desde o Plano Real, e aplicações para proteger contra oscilações de câmbio são disponíveis no mercado, mas a demanda caiu, sumiu, é pequena em valores absolutos e em termos relativos. Foi-se o tempo em que era preciso pagar juro alto para atrair fluxo estrangeiro de dólares (hoje isso é inútil e desnecessário).

O que isso quer dizer?

Quer dizer que se pode afirmar com segurança que é a mais pura especulação o que está acontecendo nas últimas semanas com a taxa de câmbio pulando de 5 reais para 5,58 reais por dólar. E as “explicações técnicas” que estão sendo dadas são mero lero-lero e óbvio trololó.

Nenhum exportador, nenhum importador, nenhuma empresa ou pessoa física em busca de hedge, nenhum fluxo financeiro normal (positivo ou negativo) de demanda justifica uma oscilação tão selvagem. E nenhuma instituição ou empresa séria e bem intencionada se atreveria a comprar dólares depois de uma alta deste tamanho e sem fundamento real. É preciso ser maluco ou ter um plano de especulação de alto risco, quase suicida.

Sabem por que é especulação de alto risco? Porque não há demanda, necessidade ou tomador deste tipo de risco. Não tem base na vida real da economia, não se fundamenta em fatos ou mesmo nas “expectativas racionais”.

Mas, como especulação não é crime, se praticada por agentes privados nos limites da lei, uma instituição trilionária (e há vários fundos assim) pode, sim, estar apostando contra a moeda e contra o país. Mas em toda especulação de instituições assim, para que ela ou elas possam ganhar, alguém tem que aceitar perder. Dentro da lei e se a pressão se agigantar, só há o Banco Central do Brasil para tirar a moeda e o país da (digamos) chantagem.

Na verdade, mesmo isso só aconteceria se ocorressem alguma das hipóteses:

1- uns dois ou três grandes bancos ou fundos internacionais gigantescos deliberadamente praticando algo como “uma roleta russa cambial” sem fim; Simples: quem vai comprar dólar tão caro? A aposta só cresce….

2- o Banco Central ceder à pressão especulativa e entrar no mercado de câmbio (o Banco Central atua no mercado através de empresas privadas, os “dealers”) e dar aos especuladores “uma porta de saída”. Com lucro, claro.

3- esses grandes bancos e fundos aceitarem, em algum momento muito em breve, que perderam a aposta e transferirem o prejuízo para seus clientes, de forma diluída, silenciosa.

Como se vê, a saída “honrosa” (sic) passa pelo Banco Central, que continua fazendo cara de paisagem, explicando o inexplicável e, como fez várias vezes, absorvendo o prejuízo “pelo bem do país”.

Ninguém reclama o comportamento no mínimo duvidoso porque o Banco Central diz que não compra nem vende dólares, que o câmbio flutua porque tem de flutuar, porque é flutuante. E as leis do país são lenientes com o mercado financeiro. E sendo o Banco Central inatacável, quase sagrado, poderia até ter, como James Bond, licença para matar.

O Banco Central está, conscientemente ou não, se colocando e colocando a moeda e o país numa situação de limite (de corner, como no boxe). Sabe disso, poderia ter evitado isso, pode resolver isso. Disso não há dúvida. E vai pagar por isso.


Precisamos falar do “BC DO B” – PARTE 2

Para gerir a economia brasileira em busca de desenvolvimento econômico e social, qualquer governo federal tem três grandes áreas para atuar: 1. a área fiscal (receitas e despesas públicas, via orçamentos aprovados pelo Congresso), 2. área monetária (manuseio da taxa de juros, principalmente, mas também depósitos compulsórios e oferta de crédito) e 3. área cambial (atuação nas taxas de câmbio do dólar e comércio e fluxo de produtos e moedas estrangeiras).

Como se vê, todas as três áreas são ligadas a dinheiro e a gestão delas é o próprio exercício do poder, concedido pelo povo aos representantes escolhidos pelo voto. O Poder Executivo o exerce, com vigilância e aprovação do Poder Legislativo, tudo com a supervisão da legalidade pelo Poder Judiciário (sendo que este não é votado).

O governo é o poder executivo. As questões econômicas e de dinheiro ficam com o governo, que tem a obrigação da iniciativa e tem uma máquina gigantesca. Os outros dois poderes têm atuação restrita, ambos servindo como freio e moderação do poder executivo. É assim no mundo democrático.

Há no Brasil outros dois poderes informais, a imprensa e agora o Banco Central, que desgarrou-se do governo federal e tornou-se formalmente autônomo, com a gestão atual (a primeira nesta nova concepção) estressando a relação.

Pois bem, neste exato momento, o Banco Central ocupou duas áreas do Poder Executivo: a área monetária e a área cambial. E superestressou as duas. E assim enfraqueceu o poder executivo, o governo, e de certa forma também estressa a democracia. O Banco Central está quase absoluto no poder. Manipulando a taxa do dólar e a taxa de juros pode-se fazer muito num país. Principalmente contra.

O Banco Central, para combater a inflação, elevou a taxa de juros de menos de menos de 3 por cento ao ano para quase 14 por cento ao ano em pouco mais de um ano (ainda no governo anterior). A inflação caiu rápido e muito. Caberia reduzir rápido e muito a taxa de juros. Mas, o Banco Central só deixou cair muito pouco e muito lentamente, já neste governo. HÁ duas semanas interrompeu a trajetória de queda do juro. E agora manda sinais de que quer aumentar os juros. E para andar efetivamente nesta direção, cria e amplia incertezas falsamente dramáticas.

Exemplo. A taxa do dólar subiu 15 por cento em poucos meses. Percebam o tamanho da bronca: juro alto e dólar sem freio.

A taxa de juros escolhida pelo Banco Central custou 790 bilhões de reais em um ano. A especulação tolerada com o dólar não se sabe quanto vai custar, porque seu maior custo poderá ser a inflação que tende a causar. E a ironia da situação: o Banco Central cobra austeridade do governo.

Agora o cereja do bolo: o Banco Central diz que se o dólar não cair, ele pode aumentar a taxa de juros.

É um típico ataque especulativo. O Banco Central criou e está alimentando uma crise financeira. De financeira, a crise pode virar econômica e daí ganhar dimensão politica. É institucional.

Este é um jogo pesado. Claro, há negócios grandes envolvidos. O estresse da especulação cambial e os juros da dívida interna somam um trilhão de reais.

Como se diz na linguagem popular, jogo de cachorro grande.

Sim, pelas escolhas diárias do Banco Central passa mais dinheiro do que por toda o resto do país.


Precisamos falar do “BC DO B” – Parte 3

Este texto tem a intenção de fazer um contraponto ao artigo esperto e estranho de Rafael de Castro Alves, no Jota.Info, que desde o título (O Banco Central e a Democracia) parece querer defender o indefensável.

Fim da Segunda Guerra Mundial. Começam as três décadas de ouro. Países e empresas crescem e trabalhadores ganham emprego, salários e direitos. Todos prosperam. O poder público comanda, planejando, induzindo e financiando o desenvolvimento. Se necessário, até como empreendedor. De repente…

A economia mundial sofreu nos anos 1970 um impacto profundo: o preço do petróleo triplicou. A economia desorganizou-se. Toda a sociedade ocidental sentiu-se ameaçada, seu estilo de vida foi posto em cheque. Era o Choque do Petróleo.

Na década seguinte, ainda sob os efeitos do susto e do medo, lideranças políticas e bem articuladas forças econômicas promoveram um cavalo de pau nos modos de governar e de tocar o capitalismo.

Vieram os governos neoliberais com as ideias de Estado Mínimo, parcerias público-privadas, globalização, desregulação. No mundo empresarial, as ideias novas eram a consolidação de setores estratégicos, as parcerias público-privadas e ênfase na financeirização (em lugar da ênfase na produção).

A convergência desses dois movimentos foi rápida, inevitável, quase automática. Gestão pública e negócios privados se imbricaram para grandes transações. Parcerias, concessões, privatizações, fluxo livre de mercadorias e de dinheiro, o Estado se apequena e o empresário privado se agiganta.

Nesse contexto e nessa trajetória, o poder político e econômico muda de mãos. O sistema bancário assume o poder e passa a dar as cartas. Afinal, tudo começa e acaba em dinheiro, não mais em produção, esta é a nova lógica.

Os países periféricos seguem a onda, submissos. O Estado se enfraquece e se esvazia: enxuga custos, diminui seus quadros, terceiriza o que pode, privatiza o que consegue. Os setores empresariais produtivos perdem força e influência. As instituições financeiras ocupam todos os espaços de influência e poder.

A fusão entre o público e o privado se dá pelo comando estratégico dos governos pelo sistema financeiro. Grandes bancos, grandes fundos (de pensão, mútuos, de previdência privada…) e seguradoras enormes dão as grandes linhas.

Exercem seu controle através de influência plena sobre os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) e também sobre a imprensa, fazendo a gestão da opinião pública. Se necessário, pressionando governos. Objetivamente administram a dívida pública de cada país, definam a taxa de juros, manobram a taxa de câmbio, financiam (ou não) empresas e pessoas, decidem se a bolsa sobe ou cai…

Depois da crise bancário de 2008/2009, este processo ficou agudo e praticamente explícito. O mercado financeiro está acima e além de qualquer poder, controle ou regulação. Ninguém o fiscaliza efetivamente. O “mercado” coordena o mercado. O Estado só “participa” quando convocado e devidamente orientado.

Nesse quadro mais geral, mundo afora, o Brasil se destaca. O “mercado” se impôs ao país. É a face oculta e discreta do Plano Real, dele sendo desdobramento e consequência. Com o fim da superinflação, os bancos precisariam de novas e fartas fontes de lucro. Seria conveniente dominar a politica econômica, assegurar pessoas confiáveis à frente do Ministério da Fazenda e do Banco Central, pelo menos. E ambos com porta-giratória. Liberdade absoluta na relação com os clientes (juros sem limites, imposição de tarifas de serviços, por exemplo), fiscalização tendente a zero e pouca competição. Fim dos bancos públicos.

A lista é longa e a cereja do bolo é assumir o controle absoluto do Banco Central, tirando-o dos governos e submetendo-o ao “mercado”. O desafio é tornar este indefensável absurdo minimamente palatável ou enfiar a medida goela abaixo do Parlamento e da população e os evitar que o Poder Judiciário atrapalhe.

Os trilhões da economia brasileira passam pelas mesas de operações do BC (e seus artilheiros), em doses diárias de bilhões de reais. Qualquer zero-vírgula por cento conta-se em milhões.


Precisamos falar do “BC DO B” – Parte 4

Na administração pública é fácil observar que há uma regra não escrita e pouco percebida, apesar de óbvia: fazer o certo é demorado e complicado, fazer o errado é simples e rápido. O erro tem efeito imediato, se espalha ligeiro e pode se tornar agudo. Os acertos enfrentam forte resistência e costumam ser bloqueados, adiados, sabotados. É como se fosse uma lei, uma Lei Sem Nome.

É que as coisas certas beneficiariam as massas, que são desinformadas e desarticuladas, e, portanto, ignoradas. Os erros favorecem os poderosos, que são tão bem informados e tão bem articulados, que sinalizam: “me atenda ou me enfrente”. O gestor público tende a se acovardar e evita lutar pelo certo. E compõe-se com quem se beneficia do erro, do injusto. Essa covardia leva pedaços importantes do serviço público a se desmotivar, a se imobilizar e, eventualmente, a se corromper. Quando menos, a se acomodar e mentir ou fingir.

O Banco Central pode estar submetido a esta lei. Ele tem as mais completas condições de bem realizar seu trabalho e contribuir decisivamente para dar oxigênio e azeitar a máquina da economia brasileira, e ajudar a desenvolver o país. Estrutura moderna, pessoal qualificado, carreira estimulante, remuneração justa e aposentadoria digna. O problema é mais em cima, lá onde se localizam as portas giratórias que conectam “mercado” e a mais alta direção do BC.

Exemplo disso é o Pix. Ora, ora, a população foi levada a pensar que uma nova e criativa tecnologia foi desenvolvida. Nada disso. O Pix é só um ajuste da velha TED e do velho DOC, serviços que eram pagos pelo correntistas aos bancos. O que mudou de relevante, além do nome, e fez sucesso, é que o Pix é de graça. Não estranhe porque demorou tanto tornar o serviço gratuito. Deveria ser de estranhar que foi cobrado e pago por tanto tempo. É a lei sem nome.

E agora, o Banco Central acredita que fazendo bobagens simpáticas esconde sua mediocridade no que é relevante e que deveria ser seu foco.

O que o BC pode fazer de relevante?

Do jeito que tirou a tarifa de serviço do Pix, por que não tirar a tarifa de manutenção da conta individual? Sim, o banco cobra para “manter” a conta. Ora, ora, pense só. Não, ela não é pequena. Tarifas de “manutenção da conta” cobradas do correntista dos bancos podem chegar perto de um salário mínimo por ano. Quem sabe, até mais. A título de exercício, imagine que quase um terço da população tem conta bancária e paga tarifa de um salário mínimo por ano. Essa conta levará para o caixa dos bancos sessenta bilhões de reais. Ah…cliente graúdo não paga tarifa, é dispensado. É simples mudar este quadro de erro, de injustiça. Mais simples do que um simples Pix, se o BC quer mesmo beneficiar os mais humildes e contrariar os menos, como de fato fez com o Pix (sim, o Pix tem méritos).

Uma breve história para justificar a proposição. Quando acabou a inflação, os bancos pediram autorização para cobrar tarifas por um tempo, para cobrir despesas com pessoal (pois havia centenas de milhares de bancários que poderiam ser demitidos, porque os bancos não tinham mais os enormes ganhos com a inflação). O Banco Central autorizou. Pensava-se: esta excepcionalidade vai durar pouco. Trinta anos depois, os bancos ainda cobram, apesar de ter havido enorme demissão de bancários. E hoje tudo é automático, tudo é quase um auto-serviço.

Essa tarifa de manutenção é como imposto que se paga ao banqueiro. Nem precisa ir pagar, o banco vai lá e tira da sua conta. Religiosamente. Mais automático do que um Pix.

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