The Intercept: “Big techs apelam para energia nuclear”

Texto da jornalista Tatiana Dias (foto), do site The Intercept:

Tatiana Dias | Premio Roche

Em um intervalo de apenas um mês, Amazon, Google e Microsoft declararam ao mundo sua nova fronteira: a energia nuclear.

A razão é a explosão das tecnologias de inteligência artificial, que requerem um enorme e crescente poder de processamento – e, consequentemente, data centers que consomem uma quantidade colossal de energia e água.

A primeira foi a Microsoft. A empresa anunciou em 20 de setembro que reabrirá sua usina nuclear Three Mile, na Pensilvânia, nos EUA, e que investirá em uma nova tecnologia de reatores.

Na segunda, 14, o Google avisou que entrou na corrida, com um acordo para usar energia produzida por pequenos reatores de uma empresa chamada Kairos Power. Dois dias depois, a Amazon comunicou um investimento de US$ 500 milhões no desenvolvimento de pequenos reatores nucleares.

A onda reflete um problema sério que essas empresas estão criando: elas estão sugando a energia do mundo de maneira dramática. Em alguns países que têm uma concentração maior de data centers, como a Irlanda, o consumo de energia do setor chegou a 18% de toda a produção nacional em 2022.

Hoje, no mundo, estima-se que data centers são responsáveis por 1,5% do consumo de energia, segundo a Agência Internacional de Energia. Com o avanço de novas tecnologias e a necessidade de um poder de processamento cada vez maior, esse número deve dobrar até 2030. Só nos EUA, o consumo dos data centers deve chegar a 9% da energia produzida até lá.

“A digitalização e, consequentemente, o aumento dos data centers são uma tendência global que parece irreversível, especialmente porque a sociedade possui um ambiente favorável à aceitação – por vezes até acrítica – da expansão das tecnologias digitais”, escreveu Elaine Santos, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP, em um artigo sobre o tema.

Só o aumento da digitalização, combinado a outras tendências, como a mineração de criptomoedas, já seria suficiente para essa explosão. Mas a IA levou as coisas para outro patamar. Uma pesquisa do ChatGPT consome, em média, 10 vezes mais eletricidade do que uma busca no Google.

“Um data center normal precisa de 32 megawatts de energia. Para um data center de IA, são 80 megawatts”, disse à BBC o diretor de uma empresa que constrói data centers.

Enquanto a necessidade aumenta, também cresce a pressão para que as empresas de tecnologia sejam ‘limpas’. O investimento em energia nuclear foi a maneira que as big techs encontraram para suprir a necessidade crescente de energia elétrica e, ao mesmo tempo, cumprirem suas metas climáticas. A Amazon, por exemplo, promete zerar as emissões de carbono até 2040.

Por que energia nuclear?

A energia nuclear é eficiente e considerada limpa – ou seja, livre de emissões de carbono. Mas seu desenvolvimento e implantação são complexos e caríssimos. E, se mal implementada, pode ser perigosa, como a história de acidentes nucleares já ensinou.

Agora, as big techs têm adotado o discurso de sustentabilidade para justificar a decisão pela energia nuclear. Os novos pequenos reatores podem fornecer até um terço da energia de um reator tradicional.

A promessa é que o desenvolvimento deles seja mais rápido e mais barato do que os tradicionais.

São “as tecnologias que vamos precisar para gerar energia limpa 24 horas por dia, não só para o Google mas para o mundo”, afirmou Michael Terrell, diretor de clima e energia da big tech, para a AP.

É bonito vender a nova corrida nuclear como um investimento em descarbonização. Mas é preciso ter clareza de que essa demanda é um reflexo do desenvolvimento desenfreado das novas tecnologias, que não levam em conta os recursos e as reais necessidades das pessoas.

Neste caminho, em poucos anos, o mundo estará diante de uma questão distópica: devemos priorizar seres humanos ou data centers de serviços essenciais para fornecer energia? Pessoas ou robôs?

Aí empresários como o chefe da OpenAI, Sam Altman, o retrato dos techbros do Vale do Silício que vendem e lucram com desenvolvimento tecnológico a todo custo, declaram que a fusão nuclear – uma tecnologia que sequer é viável atualmente – poderia ser solução para o problema que eles mesmos criaram. Não é.

Como é comum no modus operandi das big techs, elas criam os problemas e depois vendem as soluções. Os novos reatores ainda são uma promessa.

Claro que a injeção de dinheiro das empresas pode acelerar esse processo, mas os reatores provavelmente não serão construídos na mesma velocidade do consumo crescente de energia.

Também conhecemos bem o modelo de desenvolvimento dessas empresas: fazer primeiro, pensar depois. Como o antigo lema do Facebook, “mova-se rápido e quebre as coisas”, que a empresa precisou trocar porque começou a pegar mal.

Hoje na corrida do desenvolvimento de IA, muitas dessas empresas estão operando no esquema mais, mais, mais: data centers, chips, dados, modelos de treinamento.

Mas, como já explicamos, esse desenvolvimento requer trabalhadores precários, muita água, muita energia e infraestrutura física, tudo quase sempre terceirizado para um país mais barato.

Sem abrir mão desse modelo predatório que exige cada vez mais recursos, a saída do momento é apelar para a energia nuclear.

Só que o mundo precisa ficar atento, agora, se o velho modelo de desenvolvimento irresponsável das big techs também ditará os passos dessa nova investida.

E se preparar para os possíveis efeitos colaterais.

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