Referência em diferentes mercados da economia local e nacional, o professor universitário e economista Raimundo Padilha escreve uma história repleta de valores para o Ceará. Foi dele, por exemplo, a articulação para a criação da Bolsa de Valores Regional, por meio da qual empresas e investidores de parte expressiva do Nordeste puderam se fazer presentes na cena acionária. A Bolsa Regional também teve atuação decisiva na formação profissional de nomes importantes no Estado.
Pois Raimundo Padilha chega agora com livro de memórias. O jornalista e economista Osvaldo Euclides Araújo fez uma pré-leitura da publicação. Confira o texto originalmente publicado no site Segunda Opinião:
O AUTOR
Raimundo Padilha, nascido em 1936, foi bancário, professor universitário, gestor e consultor público e na iniciativa privada, além de corretor membro da bolsa de valores (que presidiu por décadas). Segue em consultoria.
A PUBLICAÇÃO
O livro “Contação das minhas memórias – 31.677 dias de vida”, de autoria de Raimundo Padilha, foi lançado em 2024, pela Expressão Gráfica e Editora, com 206 páginas. Prefácio do ex-governador Gonzaga Mota. Contracapa da ‘publisher’ Luciana Dummar.
CIRCUNSTÂNCIAS
O hábito do autor de contar suas histórias sobre futebol e serviço militar fez sucesso com os netos, que pediam repetição. Depois disso, a demanda e a insistência de amigos o convenceram a fazer uma autobiografia. Os argumentos eram consistentes e convincentes: Padilha teve realmente uma trajetória singular. Como diz o prefácio, ele deixou uma marca forte nos setores educacional, empresarial e público. E em alguns momentos decisivos, ele estava no lugar certo, com as pessoas certas, como participante ou protagonista de fatos e atos marcantes.
Sua vida pessoal também provoca interesse. Nela, o apurado sentimento de família e a elegância nos relacionamentos sociais (e profissionais) contribuem com um tempero único para alguns capítulos.
A IMPORTÂNCIA DO LIVRO
A economia e a politica no Brasil sofreram avanços importantes e recuos dramáticos ao longo dos anos 1960, 1970 e 1980, principalmente. Um golpe militar, um “milagre econômico” e uma reforma universitária são apenas três entre exemplos mais evidentes de solavancos na estrutura e na conjuntura nacional. O livro relata a vida do autor num Ceará inserido e condicionado por este contexto mais amplo.
Raimundo Padilha faz um registro organizado de inúmeros personagens, acontecimentos e crises que não podem e não devem ser esquecidos.
O texto originalíssimo (além de breve, leve e direto), com estilo enxuto e empatia, pode levar o leitor a conectar as pessoas, a realidade do estado e o processo de desenvolvimento do país. E, para além de entender melhor nossas circunstâncias, viver com Padilha algumas de suas trilhas.
O LIVRO
“Contação de Minhas Memórias” se estrutura em nove capítulos. Dois deles são mais longos e mais densos (que os outros sete) e se reportam aos eventos do mundo de negócios e do poder politico, e neles há maior quantidade de dados e análises, com o autor se posicionando ou opinando. Nos demais, a narração se torna mais pessoal e familiar, o que não diminui o interesse, posto que Padilha conduz tudo com a fluidez de uma conversa pontuada aqui e ali de bom humor e até uma fina ironia.
O autor é uma liderança otimista em relação ao desempenho da economia regional, e o roteiro da obra bem o demonstra.
O (sub)desenvolvimento do Ceará, todavia, não se pode negar, está nas linhas e nas entrelinhas, apresentado sem carga política ou ideológica, de maneira a não turvar o prazer da viagem literária. Padilha conduz esta lição um tanto sutil como um experiente e delicado professor.
CURTAS
“… Aos 87 anos e alguns km, me considero um homem feliz. Não tenho cicatrizes da vida. A minha família é coadjuvante de toda esta história…
“… As ambições, se as tive, se as tenho, não abalaram meu emocional. Sou tranquilo, um observador ponderado e um competidor respeitoso…
“… Com pouco tempo de namoro, quando a paixão já se apoderava de mim, eis que Zélia me entregou uma carta terminando com o namoro. Alegava que eu era muito namorador. Meu passado me condenava, mas, com ela, a minha felicidade era absoluta…
“… Meu primo Newton, no futebol, era um excelente bailarino. Tinha vocação para serenata e cantava divinamente. Era amigo de grandes cantores e jogadores, como Fagner e Nilton Santos…
“… Famílias numerosas, com nivel de escolaridade muito baixo: esse é um retrato, em preto e branco, das raízes do ‘apartheid´que perdura (no Ceará) até nossos dias…
“…Ministrando uma aula noturna, ocorreu um apagão de luz. Mesmo sem energia, continuei dando aula e nenhum aluno saiu da sala. Isso foi motivo de orgulho para mim…
BONS MOMENTOS
“… Vale destacar que a Reforma Universitária, que provocou algumas transformações de fundo no ensino superior, deixou, a meu juízo, uma marca profundamente negativa que se arrasta até os dias de hoje. Trata-se da oferta por disciplina. Com a sua instituição, ela quebrou as turmas seriadas, de certa forma castrando a formação de líderes estudantis. Houve tal dispersão de líderes que nem os educadores brasileiros, nem os legisladores , nem a classe estudantil propriamente dita, nem a imprensa protestaram contra o golpe…Agora, a sucessão politica se dá através do poder económico ou da sucessão familiar…
“… O Programa de Abastecimento de Peixe de Fortaleza estava nas linhas de atuação do Grupo de Desenvolvimento da Pesca (GDP). Para dar suporte ao projeto, adquirimos uma Kombi-Frigomóvel e, através de doação da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe), conseguimos mais duas, com o objetivo de apoiar os projetos de cooperativas de pescadores do Pirambu e do Mucuripe. Cada unidade conservava, em seus frigoríficos, cerca de 500 quilos de pescado. As kombis circulavam nos bairros e abasteciam os carrinhos, tipo carros de picolés, especialmente fabricados para o fim de ampliar o abastecimento…
“… Nessa época, ocorreu um fato de repercussão Internacional, denominado a “Guerra da Lagosta”. Os franceses estavam vindo capturar o crustáceo nas costas brasileiras e, a partir daí, foi estabelecido um limite, as famosas “200 Milhas”. Mas o mais curioso era que as discussões se desenrolavam sem a participação do Ceará, o maior produtor e exportador de lagosta do país. Nesta ocasião, fui à casa do cel. Virgílio e ele, no quarto, com forte crise de garganta, ouviu-me atentamente e pediu-me que fosse ao escritório dele, ao lado, e minutasse um telegrama “esculhambativo” para o ministro das Relações Exteriores. Quando retornei, ele o leu e ditou um telegrama bastante duro. Dias depois, o Melquiades estava em Brasília, participando de tudo…
“… No plano de trabalho da Credimus, foi-me lançado um bom desafio: implantar o ‘marketing cultural’ da empresa, como forma de melhorar a sua imagem como empresa de captação de recursos…No projeto constava a construção, na filial da Aldeota, de um teatro de arena e de uma galeria de arte. Sucesso estrondoso…
“… Ao lado de Gonzaga Mota, fizemos uma visita ao empresário Edson Queiroz e, num longo bate-papo, Edson sugeriu que o nome de campanha do candidato deveria ser Gonzaga Mota, fazendo críticas hilárias a qualquer outra combinação, inclusive a de Luiz Gonzaga, sanfoneiro famoso, por ser nome de sanfoneiro. Tudo funcionou a contento, e Gonzaga foi eleito com o apoio dos três coronéis, Virgílio, César e Adauto, sendo este o vice-governador…
“… É curiosa a expertise do Ceará na elaboração de planos e projetos. Nas minhas contas, o Plameg 1 foi o primeiro deles; desde lá, já se vão sessenta anos. Apesar de tantos estudos, o PIB do Estado pouco se mexe, mantendo-se em torno de 2 por cento do Produto Interno Bruto (do Brasil)…